24 fevereiro, 2006
um pouco do Rubaiyat...(*)
Eis a única verdade:
Somos os peões no xadrez
Que Deus joga. Ele desloca-nos
Para diante, para trás,
Detém-nos, de novo impele-nos,
Lança um contra outro ...
Depois um a um nos mete
Todos na caixa do Nada.
(*) ...nestes tempos intolerantes. Omar Khayyam, poeta persa (c.1050- c.1123), aqui traduzido por Manuel Bandeira, é uma dessas almas imorredouras, recalcitrantes e iluminadas. Ilustra:David Everett
preferências
22 fevereiro, 2006
felicidade se acha é em horinhas de descuido *
o mundo hoje se enquadra melhor do que ontem.
pouco a pouco o sim brota da pele, do corpo, da boca que fala
eis que peso a medida do não.
sem que as lentes me digam, sem que o dedo apontado acuse
hoje sei que o disco risca, hoje sei do pisca-pisca, atrás dos óculos ou das ruas
lentamente, não há quem insista, nem mesmo o olhar que me faz
eis que os passos correm delicados, à sua medida e discrição.
* título fisgado pela beleza do verso de guimarães rosa
29 (*)
ofereço-te o destino dessa flor, esse antebraço
com outra flor ainda não trazida,
de onde flora lenitivo um vaso.
nas mil e uma noites do dia vinte e nove,
meu torso de perfil – aceita e prova -
meu te ofegar sob a melhor camisa
e o cordão de estrelas no nanquim do espaço.
toque de leve por sobre a blusa na noite tua
fala de dedos, luva difusa, seda de luna
pra que floresçam, apascentadas, duas verbenas.
sobrando filme na minha máquina de imitar,
uns instantâneos eu te ofereço
do coração.
(*) toma, minha pequena, aceita e prova deste coração que apascentaste.
20 fevereiro, 2006
19 fevereiro, 2006
Micro Conto n° 6 " O Anônimo"
Deu um grito estridente e longo. Como quem nasce reclamando.
Nasceu forte, sarado, corado e "rochunchudo".
Os pais, de tão orgulhosos consultaram livros, agendas, amigos e manuais para achar um nome que melhor se adequasse a eminente personalidade do forte e saudável menino.
Seu futuro dependia disso.
Depois de muita pesquisa o batizaram.
O escrivão contrariado, indeciso e vacilante, não hesita e frente a convicção da mãe honrosa, insiste dizendo :
- A senhora tem certeza? Talvez isso prejudique as futuras pretensões sociais do menino.
Ela obstinada repete :
- O filho é meu. Seu nome será Anônimo !
16 fevereiro, 2006
Casos daqui
Tu não estás;
No instante que tu me quer,
Não sou mais sua.
No instante que nos vemos o tempo já não é marcado mais pelas horas; Os minutos do relógio pendurado em nossa casa.
15 fevereiro, 2006
Micro Conto nº 5 "O Promíscuo"
Casos de lá
Sei que andas desiludida,
Mas com o anão – não!
Contribuições queridas de Clarissa.
14 fevereiro, 2006
A CURA
FOI MEDICAMENTO ALOPÁTICO
DOSADO GRADATIVAMENTE
DE HORA EM HORA
AMENISANDO A DOR LATENTE EM MINHA ALMA
MAS INEVITAVELMENTE
FOI PRODUZINDO SEUS EFEITOS COLATERAIS
ÓXIDO DE FERRO EM MINHAS VEIAS
ALOPECIA
CABELOS BRANCOS
O REVÉS DO TEMPO
PRESCRITO POR DEUS
TEM TARJA PRETA
É MEDICAÇÃO FORTE
ELEGIA DA VIDA
CURA ANTIGA
...MORTE
09 fevereiro, 2006
Micro Conto nº4 "A Indigestão"
Chamem a Teresa!
Chame a Teresa pra mim! Chame-a pra cantar por aqui.
http://www.teresacristinaesemente.com.br/
04 fevereiro, 2006
Micro Conto nº3 "O Relojoeiro"
03 fevereiro, 2006
Fora de Hora
e posse fora de hora.
Quem mandou
você atrasar a hora
você apressar a hora,
você aceitar a hora
não madurada
ou demasiado madura?
O tempo fora de hora
não é tempo nem é nada.
O amor fora de hora
é como rolar a escada.
Carlos Drummond
15:39, Centro, 2 minutos e meio na minha cabeça
O Jorge Drexler é bonitão, moreno, morenos... gostei do Moreno Veloso cantando. Preço de aula de canto, preço de aula de canto. Não, não vou poder. Agora vai ser só Jean Baudrillard, Morin e sem mais tempo. Tempo, tempo, tempo, és um senhor tão bonito. What can I say to you, Bonita? What magic words would capture you? Jobim, genial. Sem mais tempo, mas mais vida. Gente nova. Gente nova, é isso. Qual o melhor caminho? Qual o melhor caminho? Vou pela 18 e dobro na Alfredo. Como eu gosto da Alfredo. Rua larga. Gosto de ruas largas, acho que é isso. Por isso gostei de Goiânia. É um fim de mundo, mas tem ruas largas. Quero voltar logo à Av. Paulista e olhar pra cima, pra cima, confundir o céu com os prédios, com tudo enfim. Caxias. Eu gosto. Não gosto. Arrancando raízes. Talvez eu sinta saudades. É bem possível. Saudades só tem espaço quando o espaço se faz sem que me dê conta. A tua presença me dói tanto, eu canto pra ver se espanto esse mal... em que Cd tenho essa música? Tenho de arrumar os CDs. À noite lembro disso. Lembro, lembro. Motorista de merda. Fecha o sinal, fecha o sinal. 40% de desconto? Queria, mas não posso. Ou viajo ou compro roupas ou compro uma geladeira. Casas Bahia. Meu destino breve para admirar Brastemps e comprar uma Electrolux, que é bem mais barata. Electro, electro lux. Luz, quero luz, sei que além das cortinas são palcos azuis. Luz, quero... Oi, tudo bom? Tudo tranquilo. Nossa, que horror que ele tá. Detalhes, detalhes. Homem de regata é o fim da bola. Qualquer tesão possível desaparece com uma regata... regata... queria praia, queria muito estar na praia. Praia não é pra mim. Eu sou do campo. Por quê né? Nhé-nhé-nhé. É, sou do campo. Nossa, que coisa gaúcha de se dizer. Ha-ha, eu campeira. Tá, tá. Não é isso. Eu queria praia, mas não as gentes de praia. Gente se besuntando na areia, gatas de academia, moços marombados, crianças infernais, famílias infelizes em dias de trégua. Bécks. O mar talvez compense. O mar, quando quebra na praia, é bonito, é bonito. Saudades do Rio. Mar, montanha, democracia pra essas gentes de praia, espaço... espaço... então... fez-se o espaço. Fez-se a saudade. Fez-se a saudade e eis, eis o Banrisul! Porque nem tudo é o que parece... as aparências enganam aos que odeiam, aos que amam... que puta gravação essa da Elis. Última faixa do Elis, essa mulher. Tenho de parar com isso de saber a ordem dos discos. Disco, diz-que... diz que deu, diz que dá, e se Deus não dá? Como é que vai ficar...?
02 fevereiro, 2006
01 fevereiro, 2006
teu corpo
Teu corpo
De lábios taciturnos
Olhos falantes
Púbis noturno
Pensamentos delirantes
Mãos impudentes
Dedos elegantes
Unhas lancinantes
Cravadas em minhas costas
Teu corpo
De seios arcanos
Cabelos fulgurantes
Quadris levianos
Pernas navegantes
Língua afiada
Pescoço marcante
Sobrancelhas arqueadas
Sobre o olhar abrasante que queima meu corpo
Gravura: Portinari - 1923