29 março, 2006
qual teu Deus, poeta?*
poeta, qual o teu Deus?
tem duas faces e um nome
e um disfarce sem nome
tem quatro letras insones
que brilham no céu dos homens
qual, poeta,
teu Deus de hoje?
como faz o que te crie
em papel de almaço velho
riscado a caneta bic
ou o impresso aos excessos
numa esquina do Iraque
qual teu Deus, poeta?
o me acuda o me salve
ou me livre ou me guarde
mas não me torne cobarde
se não Te vejo nos ramos
das oliveiras postiças
que vigem nas megastores
sem que a Virgem evapore
da lágrima dos reclames?
mas o teu Deus
de hoje?
o te proteja e acompanhe
o que me é grande e te pague
um Deus de corda e arame
velame cedro alabastro
um Deus que é preso no espelho
ou um Deus solto no espaço
esse o teu Deus de hoje
um Deus suspenso no vento
de mil voragens mostarda
se eu quero que Deus me queime
mas eu não quero fogueira
se eu quero que Deus me arda!
mas não quero Torquemada.
(*) espero que os colaboradores do blogue e os contumazes comentadores de plantão respondam a essa Provocação que lhes faço, e, bem, falemos um pouco Disso. Se preferirem, todavia, falemos da janta. Ou ambos.
28 março, 2006
JÁ ME BASTA (Bruno Batista)
POR QUE HABITAS O MEU COBERTOR
EU NEM DOU CONTA DE ME DORMIR
DE QUE SONHOS PEGASTE HORROR
QUE É PRA EU NÃO BULIR
FOI UM ANJO QUE TE VISITOU
E CISMOU DE TOCAR UM FLAUTIM
NÃO ME DIGAS QUE É COISA DE AMOR
QUE AMOR SÓ DÁ EM MIM
QUE BANDEIRA TU TRAÍSTE
E INSISTE EM SER MEU INVASOR
ENTENDA, EU PERTENÇO A OUTRA CASTA
A MORTALHA DO AMOR JÁ ME BASTA
DEIXE EM PAZ MINHA DOR
POR QUE GUARDAS O MEU CORREDOR
EU NEM TENHO A CONTA DE PARTIR
DE QUE TERRAS GARRASTE PAVOR
QUE É PRA EU FUGIR
TERÁ SIDO SOM DE CAÇADOR
OU QUEM SABE FALTOU MOCASSIM
NÃO ME DIGAS QUE É COISA DE AMOR
QUE AMOR SÓ DÁ EM MIM
QUE BANDEIRA TU TRAÍSTE
E INSISTE EM SER MEU INVASOR
ENTENDA, EU PERTENÇO A OUTRA CASTA
A MORTALHA DO AMOR JÁ ME BASTA
DEIXE EM PAZ MINHA DOR
Xará de Meireles, Cecília, e o que não posso esquecer de comprar para o “gurizinho”, leite. Foi assim que fiz para não esquecer esse nome, Cecília Leite. Havia acabado de escutar “já me basta” na rádio, eram 18:30, estava voltando pra casa e escutando a FM Cultura. Realmente essa música me chamou a atenção, “vocês acabaram de ouvir Cecília Leite, de Bruno Batista, já me basta”. Pensei, que cantora é esta... e quem é esse compositor...
EU NEM DOU CONTA DE ME DORMIR
DE QUE SONHOS PEGASTE HORROR
QUE É PRA EU NÃO BULIR
FOI UM ANJO QUE TE VISITOU
E CISMOU DE TOCAR UM FLAUTIM
NÃO ME DIGAS QUE É COISA DE AMOR
QUE AMOR SÓ DÁ EM MIM
QUE BANDEIRA TU TRAÍSTE
E INSISTE EM SER MEU INVASOR
ENTENDA, EU PERTENÇO A OUTRA CASTA
A MORTALHA DO AMOR JÁ ME BASTA
DEIXE EM PAZ MINHA DOR
POR QUE GUARDAS O MEU CORREDOR
EU NEM TENHO A CONTA DE PARTIR
DE QUE TERRAS GARRASTE PAVOR
QUE É PRA EU FUGIR
TERÁ SIDO SOM DE CAÇADOR
OU QUEM SABE FALTOU MOCASSIM
NÃO ME DIGAS QUE É COISA DE AMOR
QUE AMOR SÓ DÁ EM MIM
QUE BANDEIRA TU TRAÍSTE
E INSISTE EM SER MEU INVASOR
ENTENDA, EU PERTENÇO A OUTRA CASTA
A MORTALHA DO AMOR JÁ ME BASTA
DEIXE EM PAZ MINHA DOR
Xará de Meireles, Cecília, e o que não posso esquecer de comprar para o “gurizinho”, leite. Foi assim que fiz para não esquecer esse nome, Cecília Leite. Havia acabado de escutar “já me basta” na rádio, eram 18:30, estava voltando pra casa e escutando a FM Cultura. Realmente essa música me chamou a atenção, “vocês acabaram de ouvir Cecília Leite, de Bruno Batista, já me basta”. Pensei, que cantora é esta... e quem é esse compositor...
No outro dia pela manhã anotei em minha agenda seu nome e fui trabalhar. A anotação ficou pulando de folha em folha, dia a dia até que tivesse um tempinho livre para pesquisar na internet . Pouco encontrei a respeito dela, mas consegui escutar aqui um pouco.
Adquiri o cd e tive a prazerosa surpresa de ser bem melhor do que eu imaginava, realmente é um grande trabalho de estréia dessa cantora que promete. Repertório, arranjos (Alberto Farah e Leandro Braga) e interpretações belíssimas.
Destaque também para “dis-mois comment”, inédita versão para “eu te amo” de parceria com Tom Jobim, feita e cantada pelo próprio Chico no cd, com Benjamim Taubkin no piano.
Bruno Batista (autor da canção citada) é um jovem compositor de São Luís – MA, está com 25 anos, já gravou um cd em 2003 e atualmente reside no Rio. É bom ficar atento para este nome.
Para aqueles que passeiam por esses pátios, aí vai a dica.
Contínuo
deixe o quarto como está
deixe a porta na janela
o lustre sobre a cama
o único retrato na saudade
deixe o armário aberto
com a poeira daquele dia em que segurei na tua mão
com a poeira daquele dia em que segurei na tua mão
e te levei daqui
deixe o quarto como está
e não esqueça a nossa casa
e não esqueça a nossa casa
27 março, 2006
uma balada para Loreto*
em algumas horas a cidade vibra
como uma moela dentro de uma cuba
como o fremir de uma rotativa
são lá seis horas e já se desabam os primeiros ônibus
sobre as ruas e são vários e violentos
os rugidos de motores na garganta de motoristas sonolentos
é lá meio-dia e já fustigam seus açoites engraxados
os pedais das bicicletas, os elevadores
as mãos de metal cinzapálido dos corrimões
onde outras mãos rosapálidas fraquejam ou não
mas tudo ruge
ensolarado e rude
tudo ruge
cinco da tarde e já são horas
dos passos reboarem nos cordões de calçada
nas passarelas, nos viadutos, nas paradas de ônibus
os passos de dentro como se aos pedaços caminhassem corações
por sobre a laje o lodo a pátina e o piche
e a falsa pedra e o falso piso decorflex tangido pelas rodas escuras das macas
e pelas solas dos sapatos de criaturas rosapálidas, cinzapálidas
crisálidas de aço, flébeis, que vão e vêm
no rumo de suas casas, de seus quartéis,
até o genuflexório nosso de cada dia
até o gesto inato de morder o pão
de espantar as moscas espanar casacos
até que chegue a violeta hora
e tudo vibrará às vinte e três
na saída das escolas
nos postos de gasolina
nos semáforos
e em outros tantos lugares inexoráveis e ingênuos
e então tudo irá se perdendo
tudo a se esboroar
sem sufoco
até que se ouça tampouco
nem só o silêncio do desenrolar de uma gavinha
tarde da noite
nos vinhedos longe
em Loreto
(*)in: Anel Postiço em Merengue, Anzol da Lua Editores, bairro de Lourdes, Terra.
24 março, 2006
20 março, 2006
Aquele rapaz de olhos oblíquos de pele tostada de expressão hermética
Ele parece ter ido a Cuba, mas só carrega no peito um ideal como o meu.
Aquele rapaz de cuia e sem botas e shorts branco
Ele parece carregar as donas e as mucambas no coração, mas só acredita no amor que ainda não teve.
Aquele rapaz de desconhecidos encontros e substanciais enigmas
Ele corre à margem, mas só encontra ele mesmo refletido n'água.
Eu só observo e tiro algumas conclusões possivelmente falsas.
Ele parece ter ido a Cuba, mas só carrega no peito um ideal como o meu.
Aquele rapaz de cuia e sem botas e shorts branco
Ele parece carregar as donas e as mucambas no coração, mas só acredita no amor que ainda não teve.
Aquele rapaz de desconhecidos encontros e substanciais enigmas
Ele corre à margem, mas só encontra ele mesmo refletido n'água.
Eu só observo e tiro algumas conclusões possivelmente falsas.
Porque aqui faz calor e eu durmo sem roupas e acordo cedo com a janela escancarada, deixando o sol na cara me deixar transtornada logo pela manhã.
Porque hoje o trem quebrou e eu conversei com tanta gente diferente que de repente não sabia mais quem eu era e onde estava.
Porque eu escuto John Coltrane enquanto tomo um suco de limão e penso que a vida pode sim ser refrescante em tantos sentidos.
Porque há pouco eu aprendi o conceito de intuição, de virtualidades e do devir e isso, de alguma forma, já mudou tanto do que eu achava que sabia.
Porque nesse momento a tarde cai, minha roupa seca no varal e eu sinto saudades de certas coisas, daquelas saudades boas de se sentir.
Porque eu já não sou quem eu era ontem, porque eu já não sou quem eu era agora, porque alguém me liga e eu percebo que sim, eu simplesmente sou.
Porque imaginar o final de semana traz gosto de merecimento, porque minha preguiça passou e porque se permitir é tão incrível quanto Neil Armstrong pisar na lua.
Porque já dá pra ver a lua, porque amanhã é sexta-feira, porque eu gosto de cortar a unha e roer logo em seguida.
Porque descobri o quão legal uma criança pode ser, porque laços não se quebram, porque minha casa nova é agora a minha casa.
Porque o cinema já existia antes do cinema, porque champignon e pão preto é o que tenho na geladeira, porque o suor escorre nessas tardes de verão.
Porque talvez tantas coisas, porque talvez tantas outras, porque a incerteza seduz, porque é bom à meia luz.
Porque meu olho se cerra no momento em que encerra a plenitude dos dias.
Porque esse é um tempo espantosamente e deliberadamente otimista.
Porque me convenci.
A única coisa que vai se eternizar é o afeto.
* a foto é uma colaboração especial da minha mãe, Cora, que fez o clique no Chile, na prainha frequentada por Pablo Neruda.
15 março, 2006
Lentamente*
Um estrondo assustador, ruído de vidros estilhaçados e metal se retorcendo. Calor. Umidade. Líquidos. Já não sabia quanto tempo havia passado desde que estas sensações sobrevieram. De algum modo estava encostado em uma árvore ou algo assim, sentindo um misto de prazer e quietude com o contato da terra misturado ao cheiro de vegetação. Mato. Parecia ser eu um passivo assistente de uma peça teatral, não fosse um filete de sangue – achava que era sangue – escorrendo lenta e mornamente sobre minha face. Fiquei olhando para aquilo que lembrava vagamente um automóvel e que agora, contorcido, parecia uma escultura de um ser indefinido abraçando a si mesmo. Estava sozinho. Grande novidade. Desta vez, por um instante, quis agradecer por isto. Mas só por um instante. Ao longe quase que escutava uma sirene nervosa a aproximar-se. Lentamente. Morte. Passou-me esta idéia pela cabeça enquanto ficava cada vez mais leve e sereno. Não era uma má idéia.
E eu sempre soubera disto.
E eu sempre soubera disto.
(*) com esse texto estréia no blogue o meu amigo e colega de lides quintafeirísticas Miguel Grazziotin. Que mande sempre seus textos pra cá. Benvindo, Miguelito.
14 março, 2006
meu amor eu te quando
meu amor eu te quando
meu amor eu te ontem
meu amor eu te claro
meu amor eu te tanto
meu amor eu me calo
meu amor eu me canto
meu amor eu me falo
meu amor eu me imanto
meu amor eu te quase
meu amor eu te noite
meu amor eu te vaso
meu amor eu te ponte
meu amor eu escalo
meu amor os teus montes
meu amor eu inalo
meu amor teus flagrantes
meu amor eu te antes
meu amor te permeio
meu amor eu te planto
meu amor eu me seio
meu amor eu te arco
teu amor te emana
meu amor eu te marco
e tu me adriana
Fotografia: Henri Cartier Bresson - FRANCE. PARIS 1968. Boulevard Diderot.
© H. C. BRESSON/MAGNUM PHOTOS
13 março, 2006
restos mortais
O jazigo dos Menezes é aquele ali: o mais sombrio, o mais macabro, mas o mais curioso. Não há quem não pare por ali para dar uma espiada no caixote de ossos aberto, nos restos de um esquife, nas flores que inexistem, na solidão dos líquens e de alguma enredadeira que viceja ao pé da gárgula, no ângulo superior esquerdo de quem o vê de frente.
nos dias em que me uruguaiano 2
11 março, 2006
09 março, 2006
Casos daqui
Quero cantar Porto Alegre
O porto que há, sim, casais
mais dos que posso ver
De longe, de perto
Você, minha doce desconhecida
Te vejo refletida em cada pupila
Dos que (hoje) tenho encontrado
E daqueles que os quero sempre
Quero gritar silenciosamente Porto Alegre
Mesmo que muitos já o fizeram
Não tive, antes, o prazer
Esse que, a partir de agora,
faço questão de ter.
O porto que há, sim, casais
mais dos que posso ver
De longe, de perto
Você, minha doce desconhecida
Te vejo refletida em cada pupila
Dos que (hoje) tenho encontrado
E daqueles que os quero sempre
Quero gritar silenciosamente Porto Alegre
Mesmo que muitos já o fizeram
Não tive, antes, o prazer
Esse que, a partir de agora,
faço questão de ter.
06 março, 2006
Domingo no Jaconi
Pois então. Começa a segunda de novo. Depois do massacre neo-fascista de ter ido a Jaconi ontem. Já havia confessado meu amor por essa cidade - a duras penas, carece ser dito - mas a experiência de ficar no meio da torcida juventudista e sentir, literalmente, os seus bafios perversos, fez a pontuação da cidade cair um pouco em meu coração destrambelhado. E se a atitude do jogador foi racista, você devem imaginar a torcida que lhe dá suporte: racista sim, com todas as letras, e sexista, e chauvinista, e todos os piores istas que vocês podem inferir, acreditem. Nada contra o Juventude enquanto clube, nada contra a parcela da torcida que não se comporta como a maioria, mas tudo contra essa estupidez humana chamada torcida organizada. Organizada em torno do ódio contra quem não lhe é igual. Se alguém dissesse, ainda que por brincadeira, que eu era ali um gremista (a acompanhar o filho no lugar do estádio supostamente mais tranqüilo), corria o risco de ser espancado por algum idiota metidinho filhinho de papai ridículo enfiado em suas indumentárias de mastigoto covarde. Saí do estádio a faltar uns dois minutos pro fim do jogo, e já decidi que - mesmo que não torça pra ninguém - meu lugar é na torcida do outro lado, lá no barro, atrás da goleira que dá pro mato.
02 março, 2006
Micro Conto nº 7 "O Tradutor"
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