06 outubro, 2006
16 agosto, 2006
Pra uma tarde fria e chuvosa aqui
RAMILONGA
Vitor Ramil
Chove na tarde fria de Porto Alegre
Trago sozinho o verde do chimarrão
Olho o cotidiano, sei que vou embora
Nunca mais, nunca mais
Chega em ondas a música da cidade
Também eu me transformo numa canção
Ares de milonga vão e me carregam
Por aí, por aí
Ramilonga, Ramilonga
Sobrevôo os telhados da Bela Vista
Na Chácara das Pedras vou me perder
Noites no Rio Branco, tardes no Bom Fim
Nunca mais, nunca mais
O trânsito em transe intenso antecipa a noite
Riscando estrelas no bronze do temporal
Ares de milonga vão e me carregam
Por aí, por aí
Ramilonga, Ramilonga
O tango dos guarda-chuvas na Praça XV
Confere elegância ao passo da multidão
Triste lambe-lambe, aquém e além do tempo
Nunca mais, nunca mais
Do alto da torre a água do rio é limpa
Guaíba deserto, barcos que não estão
Ares de milonga vão e me carregam
Por aí, por aí
Ramilonga, Ramilonga
Ruas molhadas, ruas da flor lilás
Ruas de um anarquista noturno
Ruas do Armando, ruas do Quintana
Nunca mais, nunca mais
Do Alto da Bronze eu vou pra Cidade Baixa
Depois as estradas, praias e morros
Ares de milonga vão e me carregam
Por aí, por aí
Ramilonga, Ramilonga
Vaga visão viajo e antevejo a inveja
De quem descobrir a forma com que me fui
Ares de milonga sobre Porto Alegre
Nada mais, nada mais
08 agosto, 2006
14 julho, 2006
adélia, mulher de verdade*
Não me importa a palavra, esta corriqueira.
Quero é o esplêndido caos de onde emerge a sintaxe,
os sítios escuros onde nasce o "de", o "aliás",
o "o", o "porém" e o "que", esta incompreensível
muleta que me apóia.
Quem entender a linguagem entende Deus
cujo Filho é Verbo. Morre quem entender.
A palavra é disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda,
foi inventada para ser calada.
Em momentos de graça, infreqüentíssimos,
se poderá apanhá-la: um peixe vivo com a mão.
Puro susto e terror.
(*) espantado e feliz, acabo de ver, pela Globonews, entrevista com nossa poeta maior. Para ela, poesia é tremor, pulsação. E com Santo Irineu, sabe que a glória de Deus é o homem vivo. Por essas e por todas as outras, é que Adélia me dispara o coração. Por isso amamos Adélia.
05 julho, 2006
rescaldo da copa
só um beque em seu caminho
torcedor aos gritos, no alambrado:
- Ilude ele, ilude ele!
(*) fato real, Jaconi, contado por meu amigo Lionço
30 junho, 2006
Vamos mendigar pelo pão
pelo milho, pelo mel
pelo mascavo, pelo favo
Mendigar pelo ócio
Ócio de puro estado mórbido
Estado de amor mudo.
Foto de
Marilia Gomes
22 junho, 2006
Micro Conto n°9 " A Despedida"
Comemoravam Bodas de Ouro, 50 anos de casados.
Ele com 75, ela com 74.
Ao fim dos festejos beijou-lhe a testa e se foi...com a roupa do corpo.
Partiu com ânsias de conhecer um mundo.
( ...é tudo mentira ! Apareçam por lá. )
http://www.eujuroetudomentira.blogspot.com
14 junho, 2006
13 junho, 2006
*
A vida pode ser o que é, mas isso não é desculpa para não pôr a melhor gravata.
(*) João Pereira Coutinho, ontem, na Folha.
07 junho, 2006
Coração na ponta dos dedos
Os chãos, os tetos, as luzes e as sombras do Teatro Municipal, meu filho João Caetano – e o público - testemunharam noite de ontem a performance afetuosa e habilidosa de um trio de músicos que não deve nada a ninguém, nem daqui nem de fora: Léo Ferrarini, ao piano, Fábio Alves, no baixo elétrico e acústico, e Marcinho Pereira na bateria e percussão, no lançamento do CD “Batedô”, de Léo Ferrarini, trabalho financiado pelo Fundoprocultura e gravado ali mesmo alguns poucos meses antes, take a take, como os antigos e seminais discos de jazz.
O que se ouviu foi música instrumental calcada em jazz de primeira grandeza, fazendo jus às influências declaradas do pianista na obra de Heitor Villa-Lobos (estava lá o “Trenzinho Caipira”) e Egberto Gismonti (de quem tocou tema centrado em “Forrobodó”) e – pude confirmar minha suspeita conversando com Léo, após o show e durante o vinho – na maravilhosa contribuição do talvez maior dos pianistas de jazz de todos os tempos: o genial Bill Evans.
Parênteses aqui. Léo detém aquela relíquia que faz falta àqueles que só possuem técnica: tem coração, alma, afeto que se evola dos dedos e acaricia o chiaroscuro do piano, daí minha suspeita de que a luz de um Bill Evans pairasse liricamente no ar por sobre nossos chapéus. Dizia-me a amiga Monica Montanari, contribuidora deste blogue aqui, quando o pianista ficou sozinho no palco, que “agora ele esqueceu do show, só está curtindo”. E que honra pra nós poder compartilhar da curtição do artista, público que saiu – pelo menos aqueles com quem conversei – extraordinariamente feliz e tocado pelas mãos sensíveis do trio.
Uma palavra sobre o CD: como se poderia esperar de um trabalho de tão fina tessitura poética, o encarte está primoroso, com a temática do coração e o trabalho gráfico – que foi projetado no palco durante o show - em sintonia com a qualidade da obra musical.
Fábio - já o tinha ouvido antes com Oscar do Reis (que participa também de “Batedô”) e em seu trabalho em rock progressivo - segue em sua trajetória luminosa, com seu contrabaixo luxuoso e de extrema qualidade técnica. E Márcio, uma grata surpresa para nós, porém não para Ferrarini, que o definiu como portador de um talento fora do comum. Foi o que vimos, no mais, dos três músicos à nossa frente.
Esta é uma Obra mesmo, com letra maiúscula. Isso o que esses músicos de primeira grandeza, repito, trazem pra esse nosso tonto mundo, e pra nossos corações desejosos de leveza, alegria e boas vibrações.
Parabéns, Troian e Renata, pelo feito!
Evoé, Léo, Fábio e Márcio! Gracias por existirem!
As fotos são de celular, daí talvez sua baixa resolução, mas são, por assim dizer, de coração.
04 junho, 2006
resposta-sanduíche pelos teus 38*
02 junho, 2006
o tempo passa, nos aniquila, nos arrebata...*
a tal da vanessa da mata.
aiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaiaaaaaaai.
(*) para minha amiga duelista de plantão e parceira de mais de 518 músicas, Camila Cornutti.
31 maio, 2006
- Morder?...Mas é só um beijo !?!
- É sempre assim, começam pedindo a mão, o braço, depois um beijo e já vão querendo o resto...
- Deixa de ser neurótica, eu não mordo, não dou choque!
- Neurótico é você, não pode ficar só ao meu lado, juntinho, me olhando...sem beijo.
- Mas é que eu tenho desejos.
- Controle-os.
- Um beijo.
- Não dou.
- Que saco, vou embora, não me ligue mais...me esqueça, tenho mais o que fazer, e pensar que deixei a tarada da Silvia por tua causa...eu sabia que esse corpão todo escondia uma frígida neurótica...merda.
- Espera. Que tu disse?
- Isso mesmo, "FRÍGIDA, NEURÓTICA" !
- Nunca ninguém me chamou assim...
- E tem mais...
- Pára, cala a boca...me abraça e me beija !
25 maio, 2006
24 maio, 2006
Odegar in the backyards*
Minha coloninha
Um r não faz falta
Mas você faz!
(*) mais um do P(o)etry!
23 maio, 2006
Conversa de jogo de botão*
Ó, coisas suaves, onde foram, com o vento, se esconder?
Nos parapeitos de Porto Alegre, disse o celofane.
Nos rodapés altissonantes, disse a folha de plátano.
Nas soleiras dos casarios que já morreram, disse a aquarela.
Nos caderninhos de pintar de peter pan, disse a tampinha premiada de mirinda.
Nas água-fortes e lupanares e ritornelos das mil arábias,
disse o vizir embriagado de xerez ou de nanquim.
Nas madeirames e nos arames dos alçapões e das arapucas,
disse o azulejo desdentado do império russo.
Nas guelras dos anjos, disse o gris cipreste.
Nos nervos da chuva, disse o contraforte.
Nas paineiras ensandecidas de lua, disse o gerente da tempestade.
À gol!
(*) perdoem o delírio súbito e inevitável, nessa tarde que é uma gélida estalagmite. Sigo inédito com meu "Anel Postiço em Merengue" (Os de Lourdes, 2006), um rosário interminável de editoras dizendo que poesia não.
12 maio, 2006
Micro Conto n° 8 " O Proxeneta"
Eu tenho muito a te dizer, mas me calo. Tenho considerações importantes, mas você se esquece que preciso de sua atenção. Tenho um encontro diário com você, mas te vejo apenas quando tu queres. Te recebo com os olhos nostálgicos que até então não os tinha. Carrego uma sacola de ovos no ônibus e você esbarra nela sem se importar com o meu cuidado para com eles. Se queres, meu querido, esperarei por tua felicidade. Esperarei para te ver soluçar em felicidade. Daquelas que o peito arrebenta e as sensações de tristeza se perdem. Quero te ver como quem nunca te viu. Permito, assim, a surpresa de ver a felicidade explodindo em ti. Como um fato novo na sua vida. Como o que pode ser eterno em mim: teus olhos de onça sorrindo de manhã.
09 maio, 2006
Poema quase edipiano para minha mãe
Ela veio em minha direção com seu sorriso encantado.
Ela me pegou pra sempre no colo, as roupas tenho amarfanhadas disso.
Ela faz sempre um risoto abençoado aos domingos.
Ela me disse que eu podia errar até achar o jeito.
Ela me disse: vai, sê anjo insone, meta os peitos!
Ela me disse que aquela camisa ela lavou e já vai estar.
Que aquela fúria um dia vai se acalmar.
Ela me viu assim ansioso e se disse preocupada.
Que só olhar de mãe deixa a alma empenada.
Ela tem várias rugas de alegria
e tem uma tosse que eu suspeito há trinta anos que é alergia
e nunca consegui tratar.
Que pulmão de mãe a gente ouve o bafejar.
Ela tem uns mil desejos mal-crescidos
e uma voz de lua ao telefone.
Ela fica longe, não me liga, faz que some.
Mas está alviçareira aqui comigo.
Que ouvido de mãe ouve inclusive o não do filho.
Ouve inclusive o ranger do chão nas solas do filho.
Ouve inclusive o sol nascer na dor do filho.
Ela veio em minha direção com seu sorriso encantado,
Seu Mal de Chagas, seu sono acordado
e costurou o dinheiro em meu bolso quando fui pra Porto Alegre fazer vestibular.
Que mão de mãe costura tudo, até botões que nunca terão casa,
até ferida que não quer serenizar.
Ela foi a minha professorinha
A minha enfermeira, minha pastora
ela foi minha polícia, minha cantora
de milongas e valsinhas a noite inteira.
Ela me disse que eu podia errar até achar o jeito
esse meu jeito de amar a ela meio sem jeito.
Que luz de mãe não faz o sol nunca faltar.
05 maio, 2006
Bens*
A Terra
Os olhos da morena
Um grande coração
meu amor
A rua noturna
cheia de estrelas
A mais bela das auroras
O Ser que habita em ti
Lá está o Arco-iris no fim da chuva
Os sinais não são só sinais de trânsito
O orvalho é um choro triste
A tempestade é um choro desesperado
Me abraça
é preciso fazer algo
antes que seja tarde
(*) colaboração do meu camarada Odegar Junior Petry, em plena atividade com seu cobertor de nuvens lá nos altos da Rio Branco.
03 maio, 2006
Para amiga Clarissa
Querido instante de nós dois
Aquele que me preenche
Aquele que se perde
Que se prende
Pressupondo que fosse nosso
que fosse sincero
que fosse
Dois instantes queridos por nós
Aqueles de tardes claras
Aqueles de noites em claro
Em suor
Em vida
Em só
Como uma nota em clava
Como uma música sem nós
Como um amor de após
Como a cidade que não pára.
Sinto sua pele estática
seu olhar lânguido
sua vida certa
translúcida.
Sinto aquele rapaz tão próximo
tão sozinho
tão pouco.
A beleza, assim como seu sentimento opaco que arrebenta meu ritmo de viver.
*
02 maio, 2006
mútuo-socorro
Nos começos, o menino
via um demônio no teto bege,
de pé direito altíssimo,
da casa do avô.
Jovem,
achava o seu demônio
- já caído do teto –
oculto em outras pessoas,
entre ofendido e emancipado,
só dado a ver-se em algum esgar,
no vão entre as sobrancelhas,
no modo de tocar um copo
ou a haste de um gladíolo.
Quando velho,
entre o leito e a pia,
convivia já tranqüilamente com seu demônio
e este, sóbrio, terno e gravata,
aquecia-lhe os pés
e entornava-lhe o chá
das esperanças desaprendidas.
24 abril, 2006
Um verso dedicado
18 abril, 2006
AMIGO É CASA
e com paciência pra durar pra sempre
Mas é preciso ter muito tijolo e terra
preparar reboco, construir tramelas
Usar a sapiência de um João-de-barro
que constrói com arte a sua residência
há que o alicerce seja muito resistente
que às chuvas e aos ventos possa então a proteger
E há que fincar muito jequitibá
e vigas de jatobá
e adubar o jardim e plantar muita flor touceiras de resedás
não falte um caramanchão pros tempos idos lembrar
que os cabelos brancos vão surgindo
Que nem mato na roceira
que mal dá pra capinar
e há que ver os pés de manacá
cheinhos de sabiás
sabendo que os rouxinóis vão trazer arrebóis
choro de imaginar!
pra festa da cumeeira não faltem os violões!
muito milho ardendo na fogueira
e quentão farto em gengibre
aquecendo os corações
A casa é amizade construída aos poucos
e que a gente quer com beira e tribeira
Com gelosia feita de matéria rara
e altas platibandas, com portão bem largo
que é pra se entrar sorrindo
nas horas incertas
sem fazer alarde, sem causar transtorno
Amigo que é amigo quando quer estar presente
faz-se quase transparente sem deixar-se perceber
Amigo é pra ficar, se chegar, se achegar,
se abraçar, se beijar, se louvar, bendizer
Amigo a gente acolhe, recolhe e agasalha
e oferece lugar pra dormir e comer
Amigo que é amigo não puxa tapete
oferece pra gente o melhor que tem e o que nem tem
quando não tem, finge que tem,
faz o que pode e o seu coração reparte que nem pão.
Recebi um telefonema de um amigo que não vejo a muito tempo, me dando os parabéns....nem sabia, mas hoje é dia do amigo...vai aí esse belo choro do Capiba com letra do grande Hermínio
17 abril, 2006
Cidade Bossa lança sua programação inaugural
===
O projeto Bossas Brasileiras apresenta música de boa qualidade em shows nacionais
Grupos de Porto Alegre estão na agenda da nova casa de espetáculos da cidade
O Cidade Bossa apresenta sua programação para o primeiro semestre. Dentro do projeto intitulado Bossas Brasileiras, shows nacionais de muita qualidade e diversidade. Também a produção local está sendo cuidadosamente escolhida..
Entre o jazz (tradicional e contemporâneo) e mpb em todas suas variações (chorinho, samba, etc.), o Cidade Bossa programou para o primeiro semestre shows de Arrigo Barnabé e Tetê Spíndola, Edu Lobo, Cida Moreyra, Jards Macalé, João Donato, Robertinho Silva e Luis Alves. Na programação local, também nomes de peso e qualidade: Paulo Dorfmann Trio, Jua Ferreira Trio, Luizinho Santos e Bethy Krieger e, ainda, uma programação diversificada aos domingos.
Sob a coordenação de Jair Quevedo, proprietário do restaurante Lugar Comum e da Sala Jazz Tom Jobim, espaços que fizeram história em Porto Alegre na década de 80, o Cidade Bossa veio para ficar. No cardápio drinques longos e curtos e os petiscos que eram servidos na antiga Sala Jazz, como o tradicional aipim frito da casa, iscas de filé grelhadas, coração de frango flambado e provolone à milaneza.
Os shows nacionais serão sempre nas terças, quartas e quintas. Confira a programação:
Projeto Bossas Brasileiras
Os ingressos custarão, em média, 40 reais
Dias 18, 19 e 20 de abril - Arrigo Barnabé e Tetê Espíndola
Dias 9, 10 e 11 de maio – Jards Macalé
Dias 6, 7 e 8 de junho - Edu Lobo
Dias 4, 5 e 6 de julho - Cida Moreyra
Dias 8, 9 e 10 de agosto - João Donato, Robertinho Silva e Luis Alves
Demais shows
Ingressos a 7 reais
Quintas-feiras - Luizinho Santos e Bethy Krieger
Sextas e sábados - Paulo Dorfmann Trio
Cidade Bossa
Rua Otávio Corrêa, 35 – Cidade Baixa
Horário de funcionamento: das 20h às 2h
cidadebossa@gmail.com
Unimúsica - 2006
O Unimúsica de 2006, promovido pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, completa 25 anos este ano. A programação do projeto estará em breve aqui, os shows acontecem no Salão de Atos da UFRGS, em Porto Alegre. Adianto algumas atrações:
- 4 de maio - Velha Guarda da Portela. Promete ser um grande show...
13 abril, 2006
Sim
05 abril, 2006
Arrepio*
torpor sem sol
Dentes rangem serrados
como giz no quadro negro
Áspero sigo no estriado
O trem no trilho
Atrito
faisca
Chão de cascalho
sapatos de alpinista
Chuva de pedra
teto de zinco
frágua
(*)contibuto do amigo Petry, também conhecido no Bairro Rio Branco como Seu Odegar, grande amigo, grande cara, vasta alma. Ao que tudo indica o amigo está a preparar seu primeiro livro-sólo. Ilustra esse postado aqui: Pollock.
29 março, 2006
qual teu Deus, poeta?*
poeta, qual o teu Deus?
tem duas faces e um nome
e um disfarce sem nome
tem quatro letras insones
que brilham no céu dos homens
qual, poeta,
teu Deus de hoje?
como faz o que te crie
em papel de almaço velho
riscado a caneta bic
ou o impresso aos excessos
numa esquina do Iraque
qual teu Deus, poeta?
o me acuda o me salve
ou me livre ou me guarde
mas não me torne cobarde
se não Te vejo nos ramos
das oliveiras postiças
que vigem nas megastores
sem que a Virgem evapore
da lágrima dos reclames?
mas o teu Deus
de hoje?
o te proteja e acompanhe
o que me é grande e te pague
um Deus de corda e arame
velame cedro alabastro
um Deus que é preso no espelho
ou um Deus solto no espaço
esse o teu Deus de hoje
um Deus suspenso no vento
de mil voragens mostarda
se eu quero que Deus me queime
mas eu não quero fogueira
se eu quero que Deus me arda!
mas não quero Torquemada.
(*) espero que os colaboradores do blogue e os contumazes comentadores de plantão respondam a essa Provocação que lhes faço, e, bem, falemos um pouco Disso. Se preferirem, todavia, falemos da janta. Ou ambos.
28 março, 2006
JÁ ME BASTA (Bruno Batista)
EU NEM DOU CONTA DE ME DORMIR
DE QUE SONHOS PEGASTE HORROR
QUE É PRA EU NÃO BULIR
FOI UM ANJO QUE TE VISITOU
E CISMOU DE TOCAR UM FLAUTIM
NÃO ME DIGAS QUE É COISA DE AMOR
QUE AMOR SÓ DÁ EM MIM
QUE BANDEIRA TU TRAÍSTE
E INSISTE EM SER MEU INVASOR
ENTENDA, EU PERTENÇO A OUTRA CASTA
A MORTALHA DO AMOR JÁ ME BASTA
DEIXE EM PAZ MINHA DOR
POR QUE GUARDAS O MEU CORREDOR
EU NEM TENHO A CONTA DE PARTIR
DE QUE TERRAS GARRASTE PAVOR
QUE É PRA EU FUGIR
TERÁ SIDO SOM DE CAÇADOR
OU QUEM SABE FALTOU MOCASSIM
NÃO ME DIGAS QUE É COISA DE AMOR
QUE AMOR SÓ DÁ EM MIM
QUE BANDEIRA TU TRAÍSTE
E INSISTE EM SER MEU INVASOR
ENTENDA, EU PERTENÇO A OUTRA CASTA
A MORTALHA DO AMOR JÁ ME BASTA
DEIXE EM PAZ MINHA DOR
Xará de Meireles, Cecília, e o que não posso esquecer de comprar para o “gurizinho”, leite. Foi assim que fiz para não esquecer esse nome, Cecília Leite. Havia acabado de escutar “já me basta” na rádio, eram 18:30, estava voltando pra casa e escutando a FM Cultura. Realmente essa música me chamou a atenção, “vocês acabaram de ouvir Cecília Leite, de Bruno Batista, já me basta”. Pensei, que cantora é esta... e quem é esse compositor...
No outro dia pela manhã anotei em minha agenda seu nome e fui trabalhar. A anotação ficou pulando de folha em folha, dia a dia até que tivesse um tempinho livre para pesquisar na internet . Pouco encontrei a respeito dela, mas consegui escutar aqui um pouco.
Adquiri o cd e tive a prazerosa surpresa de ser bem melhor do que eu imaginava, realmente é um grande trabalho de estréia dessa cantora que promete. Repertório, arranjos (Alberto Farah e Leandro Braga) e interpretações belíssimas.
Destaque também para “dis-mois comment”, inédita versão para “eu te amo” de parceria com Tom Jobim, feita e cantada pelo próprio Chico no cd, com Benjamim Taubkin no piano.
Bruno Batista (autor da canção citada) é um jovem compositor de São Luís – MA, está com 25 anos, já gravou um cd em 2003 e atualmente reside no Rio. É bom ficar atento para este nome.
Para aqueles que passeiam por esses pátios, aí vai a dica.
Contínuo
com a poeira daquele dia em que segurei na tua mão
e não esqueça a nossa casa
27 março, 2006
uma balada para Loreto*
em algumas horas a cidade vibra
como uma moela dentro de uma cuba
como o fremir de uma rotativa
são lá seis horas e já se desabam os primeiros ônibus
sobre as ruas e são vários e violentos
os rugidos de motores na garganta de motoristas sonolentos
é lá meio-dia e já fustigam seus açoites engraxados
os pedais das bicicletas, os elevadores
as mãos de metal cinzapálido dos corrimões
onde outras mãos rosapálidas fraquejam ou não
mas tudo ruge
ensolarado e rude
tudo ruge
cinco da tarde e já são horas
dos passos reboarem nos cordões de calçada
nas passarelas, nos viadutos, nas paradas de ônibus
os passos de dentro como se aos pedaços caminhassem corações
por sobre a laje o lodo a pátina e o piche
e a falsa pedra e o falso piso decorflex tangido pelas rodas escuras das macas
e pelas solas dos sapatos de criaturas rosapálidas, cinzapálidas
crisálidas de aço, flébeis, que vão e vêm
no rumo de suas casas, de seus quartéis,
até o genuflexório nosso de cada dia
até o gesto inato de morder o pão
de espantar as moscas espanar casacos
até que chegue a violeta hora
e tudo vibrará às vinte e três
na saída das escolas
nos postos de gasolina
nos semáforos
e em outros tantos lugares inexoráveis e ingênuos
e então tudo irá se perdendo
tudo a se esboroar
sem sufoco
até que se ouça tampouco
nem só o silêncio do desenrolar de uma gavinha
tarde da noite
nos vinhedos longe
em Loreto
(*)in: Anel Postiço em Merengue, Anzol da Lua Editores, bairro de Lourdes, Terra.
24 março, 2006
20 março, 2006
Ele parece ter ido a Cuba, mas só carrega no peito um ideal como o meu.
Aquele rapaz de cuia e sem botas e shorts branco
Ele parece carregar as donas e as mucambas no coração, mas só acredita no amor que ainda não teve.
Aquele rapaz de desconhecidos encontros e substanciais enigmas
Ele corre à margem, mas só encontra ele mesmo refletido n'água.
Eu só observo e tiro algumas conclusões possivelmente falsas.
15 março, 2006
Lentamente*
E eu sempre soubera disto.
(*) com esse texto estréia no blogue o meu amigo e colega de lides quintafeirísticas Miguel Grazziotin. Que mande sempre seus textos pra cá. Benvindo, Miguelito.
14 março, 2006
meu amor eu te quando
meu amor eu te quando
meu amor eu te ontem
meu amor eu te claro
meu amor eu te tanto
meu amor eu me calo
meu amor eu me canto
meu amor eu me falo
meu amor eu me imanto
meu amor eu te quase
meu amor eu te noite
meu amor eu te vaso
meu amor eu te ponte
meu amor eu escalo
meu amor os teus montes
meu amor eu inalo
meu amor teus flagrantes
meu amor eu te antes
meu amor te permeio
meu amor eu te planto
meu amor eu me seio
meu amor eu te arco
teu amor te emana
meu amor eu te marco
e tu me adriana
Fotografia: Henri Cartier Bresson - FRANCE. PARIS 1968. Boulevard Diderot.
© H. C. BRESSON/MAGNUM PHOTOS
13 março, 2006
restos mortais
nos dias em que me uruguaiano 2
11 março, 2006
09 março, 2006
Casos daqui
O porto que há, sim, casais
mais dos que posso ver
De longe, de perto
Você, minha doce desconhecida
Te vejo refletida em cada pupila
Dos que (hoje) tenho encontrado
E daqueles que os quero sempre
Quero gritar silenciosamente Porto Alegre
Mesmo que muitos já o fizeram
Não tive, antes, o prazer
Esse que, a partir de agora,
faço questão de ter.
06 março, 2006
Domingo no Jaconi
02 março, 2006
Micro Conto nº 7 "O Tradutor"
24 fevereiro, 2006
um pouco do Rubaiyat...(*)
Eis a única verdade:
Somos os peões no xadrez
Que Deus joga. Ele desloca-nos
Para diante, para trás,
Detém-nos, de novo impele-nos,
Lança um contra outro ...
Depois um a um nos mete
Todos na caixa do Nada.
(*) ...nestes tempos intolerantes. Omar Khayyam, poeta persa (c.1050- c.1123), aqui traduzido por Manuel Bandeira, é uma dessas almas imorredouras, recalcitrantes e iluminadas. Ilustra:David Everett
preferências
22 fevereiro, 2006
felicidade se acha é em horinhas de descuido *
o mundo hoje se enquadra melhor do que ontem.
pouco a pouco o sim brota da pele, do corpo, da boca que fala
eis que peso a medida do não.
sem que as lentes me digam, sem que o dedo apontado acuse
hoje sei que o disco risca, hoje sei do pisca-pisca, atrás dos óculos ou das ruas
lentamente, não há quem insista, nem mesmo o olhar que me faz
eis que os passos correm delicados, à sua medida e discrição.
* título fisgado pela beleza do verso de guimarães rosa
29 (*)
ofereço-te o destino dessa flor, esse antebraço
com outra flor ainda não trazida,
de onde flora lenitivo um vaso.
nas mil e uma noites do dia vinte e nove,
meu torso de perfil – aceita e prova -
meu te ofegar sob a melhor camisa
e o cordão de estrelas no nanquim do espaço.
toque de leve por sobre a blusa na noite tua
fala de dedos, luva difusa, seda de luna
pra que floresçam, apascentadas, duas verbenas.
sobrando filme na minha máquina de imitar,
uns instantâneos eu te ofereço
do coração.
(*) toma, minha pequena, aceita e prova deste coração que apascentaste.
20 fevereiro, 2006
19 fevereiro, 2006
Micro Conto n° 6 " O Anônimo"
Deu um grito estridente e longo. Como quem nasce reclamando.
Nasceu forte, sarado, corado e "rochunchudo".
Os pais, de tão orgulhosos consultaram livros, agendas, amigos e manuais para achar um nome que melhor se adequasse a eminente personalidade do forte e saudável menino.
Seu futuro dependia disso.
Depois de muita pesquisa o batizaram.
O escrivão contrariado, indeciso e vacilante, não hesita e frente a convicção da mãe honrosa, insiste dizendo :
- A senhora tem certeza? Talvez isso prejudique as futuras pretensões sociais do menino.
Ela obstinada repete :
- O filho é meu. Seu nome será Anônimo !