29 janeiro, 2006

fui.

bom.
saindo de férias.
camila cornutti assume interinamente a condição de manda-chuva.
com são joão gilberto grudado na lapela.
aparecerei de vez em quando.
camila prometeu mudanças visuais no blogue.
que assim seja.
cuidem-se.
abraços e beijos a todos.
até depois.

26 janeiro, 2006

Que Maré

Sei que a maré não ta boa
Que a minha garoa
Ta chovendo canivete
Hoje não mais me abençoa
Esconjura, magoa
Jura que ainda me esquece
Passo, você tão a toa
Ancas que nem proa
Na maré que balança por macete
Ando enquanto você voa
Sou rei de coroa,
Cueca e soquete
Estrago, você aperfeiçoa
Ricto, caçoa
Do meu jeito de pivete
Fim de semana, lagoa
Diz que ta tudo numa boa
Em letras miúdas num bilhete
Saio, meu carro abalroa
Tráfego, a garoa
Não me favorece
Se ando sorrindo a toa
É porque me enjoa
Chorar por quem me esquece
Se te ofendi me perdoa
É que meu verbo ainda soa
Feito lâmina de gilete


24 janeiro, 2006

sobre mim e o resto do mundo



Eu vou ser sempre alguém que acha o João Gilberto muito mais vanguarda que a Bjork.
E isso explica muita coisa.

19 janeiro, 2006

CANTO BRASILEIRO

MEU CORAÇÃO É O VIOLÃO DE ESPANHA
MEU SANGUE QUENTE É O BANJO AMERICANO
A MINHA VOZ É O CELLO DA ALEMANHA
MEU SENTIMENTO É O BANDOLIM CIGANO
A MINHA MÁGOA É O SOM FRANCÊS DO ACORDEON
MEU CRÂNIO É A GAITA DE FÓLIO ESCOCESA
MEUS NERVOS SÃO COMO BANDONEON
MINHA CALMA É IGUAL GUITARRA PORTUGUESA
MEU OLHO ENVOLVE COMO FLAUTA INDIANA
MINHA LOUCURA É COMO HARPA ROMANA
MEU GRITO É O CORNO INGLÊS DE DESESPERO
MALDITO OU BÍBLICO
DEMÔNIO OU SANTO
CADA PAÍS FOI ME EMPRESTANDO UM CANTO
E ASSIM NASCEU MEU CANTO BRASILEIRO

Poema de Paulo César Pinheiro - Gravura de Heitor dos Prazeres


18 janeiro, 2006

samba do furto-descuido


foi em rainha do mar
que me bateram a carteira
documentos de uma vida inteira
se perderam nas mãos do meliante

fui a xangrilá
dar queixa na delegacia
um tira fumando me disse
é normal, é comum
e outras besteiras

agora meu documento
é um boletim de ocorrência
quem sabe um dia então
o nordestão devolva minha carteira

aqui no fim do mundo
janela aberta é furto-descuido
(todo mundo)
agora meu documento
é um boletim de ocorrência
(só eu)

16 janeiro, 2006

Delicado protesto

Esse pátio não quer meus brinquedos espalhados por aqui
Faz dias que tento entrar e nada
Na birra convido pra brincar lá em casa
Mas só por hoje
porque a sala é simples e ingênua(?)... E a timidez ocupa muito espaço

www.fotolog.net/unu

Horizontes

Lhe observando, um amigo fala :
- Pare de perseguir o horizonte é inútil ! Você nunca vai conseguir !
De longe ele grita :
- Estás enganado, você mente...
E lá foi ele, despreocupado, sem pretensões, correndo, saltando...

continuou perseguindo o horizonte.

as canções que tocam dentro *


Antinome
(Chico César)

à noite aguda
ouvi um deus me acuda
como se aqui fosse a croácia
e era um assalto na farmácia
alguém necessitava
gaze e merthiolate
ob e chá mate

chamo-te pelo antinome, pai
quando o invisível
some e se esvai
em vinho que não bebo
em pão que não comerei jamais

no dia longo
sol nascendo e sol se pondo
como se aqui fosse o saara
é ceará e mais deus não dera
oásis quase nem
ninguém sequer espera
resseca gente-fera

a noite morre
ouço um quem me socorre
como se grozni aqui fora
e era alguém que ia embora
e o outro que ficava
implorava companhia
perdão, misericórdia

chamo-te pelo antinome, pai
quando o invisível
some e se esvai
em vinho que não bebo
em pão que não comerei jamais

(*) bolero com ares de milonga desse criativo compositor, cantada por ele e pelo outro Chico, o Buarque, em "Respeitem meus cabelos, brancos". Todo o CD é bom. Ando louco pra ouvir o recém-lançado "De uns tempos para cá", que segundo o próprio Chico César teve inspiração no antológico "Ramilonga", de Vitor Ramil.

o sumiço do Augusto

Augusto sumiu. Onde andará Augusto? Debaixo de algum ligustro apascentando as pestanas ou numa beira de rio entre aguacis e lixiguanas? É, mas Augusto sumiu. E nem notícia do homem, lá se vão duas semanas.
Onde andará Augusto? Não sei se em Porto Alegre ou no bairro Exposição, mas Augusto é temerário, sopra raio, eviscera dicionário. Na ponta do dedo mingus arrasta um tubarão.
Lá detrás de um asteróide, numa ilha do mar Báltico, no fogo azul do poema, Augusto pisca e acena, entre morsas, potestades, onde as moréias serenas.
Deve estar é numa boa, só que nos causa saudade quando some assim, cobarde, sem nem sequer um postado, sem nem sequer comentário, recado em papel de pão.
Onde andará ô Enésimo? Alô...Câmbio?
Ilustração: Magritte

13 janeiro, 2006

ontens*

entrados em kombis brancas lá longe se vão os sábados
lentos vão os relentos em anteontens entrados

donde estarão os ventos revés de chãos esticados
sertão ventos bolorentos verbos inventos gendrados

aos tombos irão os átomos em caldo em chão em tornados
trarão ontens velejando em mares nunca'dentrados

longe se vão paredes neste entorno raspado
em ombros que se confrontam sobre o ontem inventado


(*) extraído, como a um dente cariado, do meu inédito "Anel postiço em merengue", Idem Ibidem Editores, Bairro da Virgem. Ilustra o postado: Jackson Pollock.

E eis alguns dos meus cliques numa tarde de céu colorido






Versos de Inútil Paisagem (Antonio Carlos Jobim e Aloysio de Oliveira - 1963)

Pastelaria



Afinal o que importa não é a literatura
nem a crítica de arte nem a câmara escura

Afinal o que importa não é bem o negócio
nem o ter dinheiro ao lado de ter horas de ócio

Afinal o que importa não é ser novo e galante
- ele há tantas maneiras de compor uma estante!

Afinal o que importa é não ter medo: fechar os olhos frente ao precipício
e cair verticalmente no vício

Não é verdade, rapaz? E amanhã há bola
antes de haver cinema madame blanche e parola

Que afinal o que importa não é haver gente com fome
porque assim como assim ainda há muita gente que come

Que afinal o que importa é não ter medo
de chamar o gerente e dizer muito alto ao pé de muita gente:
Gerente! Este leite está azedo!

Que afinal o que importa é pôr ao alto a gola do peludo
à saída da pastelaria, e lá fora – ah, lá fora! – rir de tudo

No riso admirável de quem sabe e gosta
ter lavados e muitos dentes brancos à mostra




Mário Cesariny (Lisboa, 1923, - )

guache


Não consegui, Carlos, ser gauche na vida. Fui e voltei e as ruas - todas - em mão única. Certas tardes de chuva em Florianópolis, em um desterro auto-imolado, me ajudaram a ficar assim: fui ser guache, aguado, aquarela. Ou guacho, como se diz na campanha daqueles filhotes, Carlos, que desmamam prematuramente.

Foto: Hiroshi Watanabe, Equador, 2003

11 janeiro, 2006

O mundo estava no rosto da amada

O mundo estava no rosto da amada -
e logo converteu-se em nada, em
mundo fora do alcance, mundo-além.

Por que não o bebi quando o encontrei
no rosto amado, um mundo à mão, ali,
aroma em minha boca, eu só seu rei?

Ah, eu bebi. Com que sede eu bebi.
Mas eu também estava pleno de
mundo e, bebendo, eu mesmo transbordei.

10 janeiro, 2006

...Paris*



- Vontade de ir a Paris de novo...
- É? Tu vais sempre a Paris?
- Não, só vontade de novo...


(*) piada contada uma noite dessas pelo amigo Oscar dos Reis, com sua indefectível vocação para o humor lacônico e docemente cruel.

09 janeiro, 2006

meia noite e dezessete


- Desliga a luz aí do teu lado? Ah, e agradece o convite, mas despista pra mim? Tu sabe Luiza, eu nunca fui bom em falar assim, em público. Me atrapalho todo. Meus pensamentos são relativamente bons, no máximo, quando permanecem dentro de mim mesmo. Não sei externar essas coisas. Com o tempo é que tenho aprendido a me dar, me doar, estabelecer algum tipo de relação com o mundo exterior, mas daí a conseguir falar pra mais de cinco pessoas durante uma hora é outra coisa. Tu sabes que o Tom Jobim, a quem teu pai atribui teu nome, dizia que a complicação da vida é que a gente tem de ser o síndico da gente mesmo. Não dá pra apelar sempre pro outro, chega um tempo em que os nossos problemas são nossos, por mais que a gente possa compartí-los. É louco isso, né Luiza? Porque eu sei que eu posso contar contigo, mas tem coisas que só eu posso resolver e aí muito do nosso romantismo cai por terra. Meu romantismo, da mesma forma que eu o alimento de forma crescente, seja lendo Neruda, seja olhando os Jasmins da esquina da Humberto de Campos eu o destruo quando vejo a senhora mal educada chupando o pêssego sem pagá-los no caixa de supermercado. E isso é idiota, eu sei. Eu não sou grande como tu pensas, eu me incomodo com essas coisas, a vida me irrita com cacos demais... é o celular que não funciona, é a capa da Veja desta semana, é a tinta da impressora, é o taxista de direita, é o PFL jovem, é o Caetano dizendo bobagens, é a tua mãe enchendo nosso saco, é teu irmão comendo a coxa da galinha, é o meu pai hiponcondríaco, é o teu jeito de passar batom... e eu já te disse o quanto o teu jeito de passar batom me irrita, Luiza. Eu, por mais que queira que tu me saibas por inteiro, não quero ter que detalhar a minha conta do banco, eu não quero que tu tenhas sempre a clareza de que eu vivo pra não estar no vermelho, de que eu quero te dar coisas, de que eu quero nos dar coisas, eu não quero esmiuçar todos os meus passos, por mais que eu queira que tu saibas como eu quero andar pelo mundo. Eu sou complicado, né Luiza? Com o Pedro era assim também? Tá, desculpa, desculpa, nós prometemos não falar de ex-amores. É que ex-amor também não existe... amor por mais que se vá, acaba ficando. Tu entendes o que quero te dizer? Talvez tu fiques magoada por eu te dizer isso, mas é verdade. E a verdade também é que eu me apaixono e desapaixono com uma facilidade incrível, Lu. Nunca te chamei de Lu. É tudo tão recente... mas a gente também combinou de não nos chamarmos por apelidos toscos, por mais vontade que eu tenha de te chamar de benzinho ou chuchu, de vez em quando. Mas não te preocupas. Nós dois temos plena consciência do ridículo da paixão. E eu te admiro sobretudo por isso, porque tu tens noção das pieguices, não as comete a ponto de beirar o constangimento mútuo e ao mesmo tempo tu te entregas. Isso é tão bonito em ti... sobretudo porque isso não tem psicólogo que ensine ou oriente. Ou tu te jogas para as coisas ou tu passas a vida com a marcha ré engatada. Não posso falar em ré engatada que me lembro do vencimento da carteira de motorista. Tu me lembra disso essa semana, certo? Eu tenho pavor dessas burocracias do mundo, pagar luz, ir no banco, comprar alpiste, negociar o aluguel. Eu sou um pulha, Luiza. Nunca serei um bom sindíco de mim mesmo. Eu nunca sei se uso eu ou uso mim. Como é que tu se apaixonou por mim? Ahn? Luiza? Lu? Chuchu? Dormiu.

um sonho em alicante



em teus cabelos de murta
esponja das ecolines
nuns bicos de pena abrupta

peônia que avista a Virgem

em teus cabelos de flandres
os dardos brandos de um anjo
perfume de cardos brancos
num disco de joão donato

em teus cabelos de plâncton
num boulevard de alicante
arrimos de dor dormindo
que o sono do mar entrance

pequenas ilhas de felicidade



'(...) Podemos não encontrar um sentido de vida, um sentido para a vida, o caminho célere para a felicidade ideal, como as teologias descartáveis prometem de porta em porta. Mas existem pequenas ilhas de felicidade, por onde vamos saltitando como náufragos perdidos. São estas ilhas que dão alento no caos que nos consome. O rosto de Mariel Hemingway em "Manhattan" --ou o rosto da pessoa que amamos, tanto faz. Os discos de Django Reinhardt em "Poucas e Boas" --ou os discos que fazem a trilha sonora das nossas vidas, tanto faz. E, como nesse "Hannah" que me deixa num estado de felicidade irreal, os poemas de e.e. cummings que descobri devido ao filme. Ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão generosas como Woody.(...)'

'(...) Os filmes de Woody Allen são uma família a que se pertence: ninguém deseja mudanças radicais ou desaparecimentos radicais. Desejamos apenas que seja outono lá fora e que as histórias, conhecidas e até repetidas, sejam embaladas por um fio de jazz.'

07 janeiro, 2006

Vanda



Ernesto, entre tenores não sabe cantar - murmura.
Vanda anda e nada.
Ela é uma elipse.
Ele é a apótema dela.

06 janeiro, 2006

utilidade pública

Resenha do novo (e belo) disco do Aldir Blanc: aqui.

canção*



eu queria fazer uma canção
que detivesse a fúria de dois mil tufões
que te saltasse aos olhos
e te deixasse nua
como uma benção

mas não sei fazer uma canção
que não tenha dentro a palavra ilusão
que não tenha dentro a palavra solidão
que não tenha dentro a palavra coração

e se esta canção se achar

perdida lá no alto-mar
saída terei senão navegar
e no rumo dela hei eu de errar

em cada grão de areia do meu coração
em cada onda branca desta solidão
e nos vãos coqueiros da minha ilusão
verei surgir certeira a velha canção
que desde sempre esteve
furtada selada postada

no teu coração



(*) essa é pra Adriana, meu amor; como não poderia deixar de ser; aquela que fez rebrilhar em mim o sol do poema; a moça da Ernesto 'Che Guevara' Alves, um três quatro quatro; a namorada de pátios, canteiros e hortas de rúcula; endereço dos meus rudes poemas; caixa-postal do meu coração; poema-canção do próximo livro, aquele do anel cravado no merengue, ou no sorvete-seco; descarada e sinceramente inspirado em Francis Hime & Vinicius de Moraes, "Meu coração".

noturno caxiense*



muito conhecimento
mas nenhuma compreensão,
já dizia o ladrão de cadáveres
ao anatomista.


(*) *.

diavolino*

à porta de uma casa
hei de bater sonolento
casa que nem suspeito
o que lá se move dentro

(se é casa de prazeres
com arabescos no ventre
se é coração de pedra
ou asa de pensamento)

à porta de uma casa
em que jamais entrarei
hei de parar um momento

tocarei com medo a pele
de um ser de bronze ardente
face de fauno ou guepardo
ser de alaúde tangendo

cara de cão daquele
que nos fulmina por dentro

por dentro onde ignoro
qual a mortal ternura
que lhe assoma o ossamento

à porta de uma casa
baterei o ombro lento

bem aberta a boca e o pálato
como uma rosa estiolada
no bronze de Giambologna

por trás dos olhos me alveja
cenho de um monstro inocente


(*) Em meu inédito ma non troppo volume de poemas "Anel Postiço em Merengue" (Morador de Lourdes Editor, 2006 talvez). Giambologna (1529-1608), escultor maneirista de origem flamenga, um gênio. Vi essa escultura ("Diavolino Portabandiera") em Curitiba, na Casa Andrade Muricy, na exposição "Florença: Tesouros do Renascimento", em 1999, e ela me impressionou violentamente. Pena não ter encontrado imagem mais detalhada, pois o bronze do artista é implacavelmente belo. Giambologna, aceita homenagem singela desse teu humilde escriba.

02 janeiro, 2006

quadra...de virada...

Fui eu em 2005
um plebeu em teto de zinco,
espero que 2006
não seja um ano de reis.

Quarteto em Decassílabo para Soneto futuro


Já sabem todos desta honrosa arte
Que ser poeta hoje é uma façanha
Do rol de empregos ele já faz parte
Alguns o são com muita artimanha

(para Fabrício Carpinejar e Gilberto Mendonça Telles )

quarar*


quarar as toalhas brancas do porvir
quarar as roupas brancas do sonhar
quarar as flores provas de pedir
quarar as flores novas de ganhar

quarar a aquarela de um jasmim
quarar as frutas verdes do pomar
quarar a pedra pomes do jardim
quarar água furtada de alguidar

quarar apenas que de pálido deixar
quarar da cor a desmaiar em teu vestido
quarar mesmo a quaresma do querer
quarar mesmo a soleira de um sentido

quarar de tuas idéias o franzido
quarar de tua colcha o se deitar



(*) em: "Anel postiço em merengue" (inédito, 2006), Anzol da Lua Editorial, bairro onde apareceu a Virgem, Caxias do Sul, terceiro planeta a partir da pequena estrela branca que é a causa da existência de vida aqui e também do poema em questão; ilustra: aquarela de Claire Cowie, Village XXII, 2005, @ http://www.jamesharrisgallery.com/