09 janeiro, 2006

meia noite e dezessete


- Desliga a luz aí do teu lado? Ah, e agradece o convite, mas despista pra mim? Tu sabe Luiza, eu nunca fui bom em falar assim, em público. Me atrapalho todo. Meus pensamentos são relativamente bons, no máximo, quando permanecem dentro de mim mesmo. Não sei externar essas coisas. Com o tempo é que tenho aprendido a me dar, me doar, estabelecer algum tipo de relação com o mundo exterior, mas daí a conseguir falar pra mais de cinco pessoas durante uma hora é outra coisa. Tu sabes que o Tom Jobim, a quem teu pai atribui teu nome, dizia que a complicação da vida é que a gente tem de ser o síndico da gente mesmo. Não dá pra apelar sempre pro outro, chega um tempo em que os nossos problemas são nossos, por mais que a gente possa compartí-los. É louco isso, né Luiza? Porque eu sei que eu posso contar contigo, mas tem coisas que só eu posso resolver e aí muito do nosso romantismo cai por terra. Meu romantismo, da mesma forma que eu o alimento de forma crescente, seja lendo Neruda, seja olhando os Jasmins da esquina da Humberto de Campos eu o destruo quando vejo a senhora mal educada chupando o pêssego sem pagá-los no caixa de supermercado. E isso é idiota, eu sei. Eu não sou grande como tu pensas, eu me incomodo com essas coisas, a vida me irrita com cacos demais... é o celular que não funciona, é a capa da Veja desta semana, é a tinta da impressora, é o taxista de direita, é o PFL jovem, é o Caetano dizendo bobagens, é a tua mãe enchendo nosso saco, é teu irmão comendo a coxa da galinha, é o meu pai hiponcondríaco, é o teu jeito de passar batom... e eu já te disse o quanto o teu jeito de passar batom me irrita, Luiza. Eu, por mais que queira que tu me saibas por inteiro, não quero ter que detalhar a minha conta do banco, eu não quero que tu tenhas sempre a clareza de que eu vivo pra não estar no vermelho, de que eu quero te dar coisas, de que eu quero nos dar coisas, eu não quero esmiuçar todos os meus passos, por mais que eu queira que tu saibas como eu quero andar pelo mundo. Eu sou complicado, né Luiza? Com o Pedro era assim também? Tá, desculpa, desculpa, nós prometemos não falar de ex-amores. É que ex-amor também não existe... amor por mais que se vá, acaba ficando. Tu entendes o que quero te dizer? Talvez tu fiques magoada por eu te dizer isso, mas é verdade. E a verdade também é que eu me apaixono e desapaixono com uma facilidade incrível, Lu. Nunca te chamei de Lu. É tudo tão recente... mas a gente também combinou de não nos chamarmos por apelidos toscos, por mais vontade que eu tenha de te chamar de benzinho ou chuchu, de vez em quando. Mas não te preocupas. Nós dois temos plena consciência do ridículo da paixão. E eu te admiro sobretudo por isso, porque tu tens noção das pieguices, não as comete a ponto de beirar o constangimento mútuo e ao mesmo tempo tu te entregas. Isso é tão bonito em ti... sobretudo porque isso não tem psicólogo que ensine ou oriente. Ou tu te jogas para as coisas ou tu passas a vida com a marcha ré engatada. Não posso falar em ré engatada que me lembro do vencimento da carteira de motorista. Tu me lembra disso essa semana, certo? Eu tenho pavor dessas burocracias do mundo, pagar luz, ir no banco, comprar alpiste, negociar o aluguel. Eu sou um pulha, Luiza. Nunca serei um bom sindíco de mim mesmo. Eu nunca sei se uso eu ou uso mim. Como é que tu se apaixonou por mim? Ahn? Luiza? Lu? Chuchu? Dormiu.

3 comentários:

Anônimo disse...

good mornig cassias.

Anônimo disse...

bravo!!!!

camilacor disse...

?
gracias, anyway.