31 outubro, 2005

Quatro ou cinco gurizotes*


Poucas situações mexem mais com a sensibilidade e com o corpo de alguém fora de sua terra-natal do que retornar de vez em quando a ela, como diz Stevenson na página de abertura de seu grande livro "O Morgado de Ballantrae". E isto pode ser feito tanto de modo in vivo (no meu caso pegando o Planalto em Porto Alegre e chegando na fronteira dez horas após), quanto pela escrita (que, em todo caso, também não deixa de ser in vivo) fazendo com que, no mais das coisas, a pessoa nunca tenha saído de lá. Eu, que sou do time dos reincidentes, não sei como dirigir-me ao mundo sem que irrompa com sua claridade o pampa, o suave tremor da miragem no horizonte, o destemor de espelho que é o rio na Uruguaiana da minha memória esburacada. Talvez isto pareça enfadonho ao leitor e ele pare por aqui. Mas talvez continue, uma vez que nada disso se faz sem ele, e não se trata de exercício de auto-elogio ou autocomiseração.

Então, o leitor continuando a sondar o que vai sendo contado, descobrirá que em certo dia de agosto do ano da graça de 1977 (data em que a indesejada das gentes levou o avô deste que lhe fala), uma carroça vem descendo a rua Santana, malemolente, com uma carga indecifrável de caixas de talco Pom-Pom. Um bando de meninos de canela fina está na esquina, ruidoso, a trocar figurinhas e a jogar tapufe. Muitas daquelas figurinhas, das bolitas escondidas em bolsos secretos, dos piões e piorras, muitas daquelas revistinhas que carregam - "O Pato Donald", "Heróis da TV", "Tex" - foram conseguidas graças à grande arte de dilapidar o patrimônio de garrafas de seus pais e vendê-lo em armazéns das proximidades, como os mendigos ribeirinhos trocam ossos por comida.

Saberá igualmente o leitor que ainda não tiver perdido as estribeiras da boa vontade, que, heróico em um pala marrom-alpiste, o senhor Aquiles vai agora até a varanda, onde senta-se a sorver o mate. Os guris na esquina da casa amarela estão a olhar, as vistas grudentas de ramela e sonho, o carroceiro sonolento que prossegue rumo à baixada da beira do rio.

Se o leitor quiser, enquanto recolhe o pára-quedas e habitua-se ao local, poderá observar que a carroça dobra a esquina lá embaixo, no mesmo instante em que um tristemente balouçante ônibus da Eutra linha 24 de maio está prestes a passar. Não há ninguém por perto, ninguém está à janela, ninguém ralha com o cusco nesta hora. Só o senhor Aquiles em seu pala grego, só os quatro ou cinco gurizotes. Um baque seco e foi-se ao chão uma das caixas. O ônibus já está lá perto do Açougue Sete e não pára, porque a parada está vazia. O carroceiro segue sem perceber, tentando reacender o palheiro. A gurizada, depois de algum silêncio, corre até a caixa e, com mãos ansiosas, a abre ao mundo: duas dúzias de tubos de talco Pom-Pom irão abastecer a quadra por uns bons meses. O senhor Aquiles está na segunda cuia e vai até a mureta para saber o porquê do acréscimo de balbúrdia, e vê os guris com branco da face às canelas. Meu pai estaciona o Fusca e me dirá que o vô morreu, e o leitor nestas alturas já deve ter virado (ou fechado) esta página.


(*) publicado originalmente em agosto de 2000, jornal Folha do Sul, por este metido-a-cronista aqui.

Viúva de Peixe














moro no pé da areia
minha casa é espelho do mar
o vento é quem me penteia
me enfeito com a luz do luar

entôo o dia inteiro
endechas lá de Além-Mar
trabalho pelo dinheiro
canto pra poder suportar

sou viúva de baiacu
de xaréu, de garoupa, cação
de bijupirá
de pescador velado no mar

o moreno no último aceno
parecia dizer adeus
órfão ficou meu pequeno
saudade no peito rompeu

trabalho pra ver se o desfeche
um dia consigo mudar
dessa sina de filho de peixe
que tem por destino o mar


A foto que ilustra esse meu esboço de canção, feita pensando nos ventos dos litorais das colônias portuguesas, em Cesaria Evora, Simentera, Paulo C. Pinheiro e Caymmi (é claro) é "Mujer del pescador" de Bea Merry.

28 outubro, 2005

Minha mulher

Com sandálias de couro macio e as unhas pintadas de azeviche, Vanda se aproxima do mar como quem se achega de um cão pra lá de raivoso. Logo deixa-se levar pela brincadeira das ondas. Eu ficava, quase sempre, de lhe comprar morangos no fim do dia. Com a boca vermelha se senta ao meu lado enquanto escrevo. Consigo sentir o perfume do seu rastro e da pele lustrosa que recém esteve ao sol.

27 outubro, 2005

Ao Francisco que virá

Franciscos me valham
De tamanha alegria
Da extrema euforia
Pela tua chegada

sim

eu digo muito quando calo
nem todo mundo ouve
melhor...
adoro o ar de surpresa dos adultos
que duvidam que os brinquedos divertem-se sozinhos
e que as bonecas tem voz.

Loucura de ser

Tô com diarréia,
Você nem faz idéia.
Saiu agora de mim...
Uma louca que nunca escreveu assim.

Desculpem-me pela rima pobre e pelo resto tbm.
Influências de Glauco Mattoso... mas ele é ótimo...

26 outubro, 2005

auto-retrato

p.s.: gracias ao amigo carlos, pelo termo.

todo o sentimento*

















Modinha (Tom Jobim/Vinicius de Moraes)

ah, não pode mais meu coração
viver assim dilacerado
escravizado a uma ilusão
que é só
desilusão

não!
não seja a vida sempre assim
como o luar desesperado
a derramar melancolia em mim
poesia em mim

vai, triste canção,
sai do meu peito
e semeia emoção
que chora dentro
do meu coração
coração



(*)rendi-me: um dos melhores discos de música popular que já ouvi.
absolutamente encantador. dilacerado. improvável.
como dizia um velho amigo filósofo: isso não existe!
gracias, camila c., pelo presente.

25 outubro, 2005

ah que saudade (2)





hoje: dia de saudades várias.
aí arriba: foto da cidade-natal desse escriba aqui - Uruguaiana, lá na fronteira extrema.
talvez entendam agora porque quando jogam Brasil e Argentina tenho cá minhas dúvidas.
bueno.

Ressucitando a Cher...

Essa cena me foi proporcionada pelo Augusto, na semana que passou.
Essas bobagens não tem preço.

ah que saudade


foi então
que da minha infinita tristeza
aconteceu você



meu coração bossa-nova hoje acordou com muitas saudades.
dos dois aí de cima.
e da minha namorada, linda e doce namorada.

papo de livraria*



marco de menezes: Mugnol, por acaso tu tens uma pupila maior do que a outra?
mugnol: não que eu saiba, por quê?
marco de menezes: porque a da esquerda é maior sim que a da direita.
mugnol: ?
marco de menezes: mas pode ser só uma adaptação da pupila porque tu veio lá da rua e a luz daqui de dentro é outra...
mugnol: vou consultar um oftalmo, porque faz tempo que não vou e...
marco de menezes: vai consultar um neurologista, guri!
mugnol: ???
marco de menezes: calma, nem sempre é grave, mas é bom consultar um neurologista.

puta merda que neura. mais uma pra minha lista de neuras com médicos.


(*) publicado originalmente pelo nobre soldado mugnolini, nosso batedor avançado em terras extremas.

24 outubro, 2005

as rosas não calam


errei
sim
as minhas balas
eram
de festim

celacanto, peixe esquecido pelo tempo*

Latimeria chalumnae

sem a rima -
o que o extingue
por exceção e sina -
um celacanto sorve clandestino
piñas coladas e tampouco algum pistache
nas ilhas Comoro
à borda da piscina

solitário e
à deriva

sem a rima

(*) pequena obsessão minha e do parceiro Baio Lyon, apareceu em nossas águas em "Arrebaldeation"(2003)



chacal no nosso pátio*


O ABORÍGENE DO BAIXO GÁVEA

Eu sou um aborígene. Não tenho dúvidas. Eu sou o bêbado que dança em frente a caixa de som das lojas de eletrodomésticos ou de um show em praça pública. Ainda pouco entrei na “track’s”, uma excelente pequena loja de cds e livros na gávea. Estava tocando um som muito bom, uma black music maneira. Comecei a estalar os dedos, depois comecei a chacoalhar o corpo. A música me penetrou. Fiquei ali dançando e vendo capinhas de cds e livros muitos. Depois pedi a balconista, a capinha do cd que estava tocando. Era uma tal de candy staton, ou coisa parecida. Confesso que a capa não dizia muito daquela voz, daquele som que me possuia. Agradeci, me despedi e sai dançando. Estava feliz. Muito em breve, os passarinhos misturados ao trânsito e às freiadas dos ônibus, também me faziam dançar. A praça santos dumont sempre me faz dançar. Às vezes de tristeza com a quantidade de meninos e meninas de rua. Mas danço um blues, um samba de nelson cavaquinho, mas danço. E a tristeza vai passando e de repente, fica só meu corpo seguindo os passos do planeta em torno do sol.
Eu sou um animal tentando me afinar com a música das esferas.
(*) bumerangue virtual direto do blogue do poeta chacal

21 outubro, 2005

breve poema adicto.


não consigo rimar amor e dor,
dê-me mais ópio.

e essa dor no peito que se lacre,
dê-me mais dessa lua,
desse conhaque.



vapores etílicos de drummond. volta a chover na tarde de caxias. meu coração canta um blues.

s.f., leve agitação do ar; vento brando; brisa; bafejo fig., ocasião favorável; aparência


insônia

sobre reboco em parede andarei
com pés de aragem
como em paisagem de Escher


sobre o musgo dos andaimes andarei
com pés de limbo
em um xadrez sem parceiro


sobre o líquen das cadeiras andarei
com pés de lupa
em ritmo de astronauta


lá onde sou deserto
pradaria tundra estepe
abrirei meu canivete


pra cortar o véu de névoa
que envolve a vigília espessa


e então que eu adormeça
alma noviça na treva





povo de deus: achei o título do meu livro inédito, antes que ele deixasse de sê-lo.
é esse mesmo: pés de aragem
várias pessoas do meu pequeno mundo opinaram. e vamos ver onde isso vai dar.
o poema arriba foi musicado pelo meu parceiro Todesca, in Arrebaldeação, onde aparece cantado pelo querido irmão Bebeto Alves.

IMPERFEIÇÃO


O chão pisado,
foram os bons tempos de calmaria.
Já não são moléculas cruas, nuas,
Já não são firmes como antes.
Não sei se devo pisar onde pisa,
Parece vulnerável te seguir,
Parece retilíneo-tão para minhas curvas inconstantes.
O chão soterrado,
os dias displicentes de dúvidas,
Tornou resposta,
Incerta, mas uma resposta.
O chão, teu chão,
Não me traga ele,

É reto, é firme, é.

Minhas legítimas bobagens III

Instante de agora: me vejo nestas linhas.
Poema do Mário de Sá Carneiro, de quem tanto gosto.
Este foi musicado pela Adriana Calcanhoto.

20 outubro, 2005

.


o cheiro é de chuva que ainda não veio
vai ter vento forte revirando estes papéis, eu sinto
nove anos rabiscando (pulso doído)
só ontem rasguei cinco outonos
tem tanto branco nesse chão de pedra que até posso deitar macio
mas tem o outro...
ele me importa mais
só que eu não gosto de passar a limpo
vou plantá-lo perto de alguma flor aqui mesmo
só agora percebo... que dou passos ao redor da casa
aproximo meu corpo da janela do quarto
atravesso o vidro com um olho só
a meia luz que enxergo lá dentro desvela um fio
que vai do espelho até o armário e desse até a porta
depois eu perco
o que me liga a ti muitas vezes é encanto
puro cheiro, memória
tu indo embora
para outras tantas é pavor
ora te desejo quente
ora te condeno ao choro
e a esse silêncio
eu sinto, vou sempre seguir contigo
por todo o azul e negro que tu tens nas veias
mas te aviso
não quero te ouvir
quando puder eu canto
e ficarei olhando as linhas tortas
brotando dos papéis aqueles,correndo o pátio
subindo os muros,vazando a terra

escuta... começou a chover
sobre a nossa cama

Oh, Marco! Tu deixaste um portão aberto...

... o poeta e sua distração tão generosa.
gracias


eu vou entrando
e tudo não passa
( ou nem tudo passa)
de impressão...








É da índole do poeta ater-se em nebulosas? mas quanto a mim? nunca saberei

19 outubro, 2005

"Siri passando em roleta, mesmo pra mim é demais!"


grandes notícias pra música popular.
os dois monstros/mestres aí, agora sim,
de novo, juntos, no disco do aldir.
e o aldir cantando, maravilha.
leia aqui: cartas de hades,
blog da mariana blanc.

Instante


Acordei com uma saudade ensurdecedora de Barcelona.
Nunca estive lá.

saudação a Clarissa




ó alma alva
fazei deste blogue
um instrumento
de tua calma

pequena provocação a Uili B., o apóstata

apostasia
do Lat. apostasia < Gr. apostasía, defecção
s. f.,
abjuração;
defecção;
deserção da fé;
renúncia;
abandono de um partido, de uma teoria ou doutrina.

apóstata
do Lat. apostatu < Gr. apostátes, o que se afasta
aquele que não posta.

poema para as pupilas do meu amigo mugnol













luz que quando evole dos velames
leve marés
aos galeões errantes
céus às pandorgas
serenas coleantes.

luz que quando infiltre
a pupila
aniquile o mau farsante
(que ao bom já seduziu bem antes.)

blues que quando engrene
na retina
destile fino - ao coração -
calmantes.

18 outubro, 2005

Entre leituras soltas e diárias como jornais, revistas, tópicos na Internet, reparo constantemente em um aspecto: a necessidade de informar antes de questionar ou provocar questionamento. Ao ler uma crônica, em algum lugar que não me lembro qual, encaro a era contemporânea cúmplice da história que se vê passada à mão na escola – limitada! Costumasse ter como alicerce básico um estilo rápido (claro!) e perfeito de vida. Segundo Clarice Lispector, não há o inesperado e o milagre é o movimento revelado das coisas. Coisas?
Durante esse mesmo dia manufatureiro, há os classificados chorosos dos desempregados heróis decaídos na paródia atual, as chamadas no rádio da polícia mal paga e safada, a publicidade grotesca daqueles que montam botecos para entre desgraçadas vivências disfarçar a situação envergonhada e eu. Eu que tento resgatar um pouco de “eqüixistência” entre todos. Entre a comunicação que tento estabelecer com, você, leitor e informações que dilaceram seus neurônios 24hrs por dia.
Realmente, segundo o cronista que não me lembro o nome, o dia-a-dia dos motoboys é uma característica crua da sociedade ligeira, lapidada e pouco lúdica. Devidamente caracterizados estão também as diaristas, as babás, os pichadores, os vestibuloucos, as secretárias de sucata (...). Esses que, com suas paredes de bambu e sob o chão batido, permutam no mundo da informação.
Os dois ou mais mundos que podem existir são criativos e passivos; cruéis e subestimados. A comunicação não deve ser restrita e de pouco senso crítico. Talvez soe panfletário, mas ela não é apenas informação (catastrófica de preferência e bem cozida) é instrumento para aproximação das pessoas, para a formação dos grupos e guetos, do encontro da vida que realmente é fonte de “água viva”.

Só pra exercitar...


Gosto de andar pelas ruas e observar as pessoas. Há um prazer de desvendar os gestos, ver como cada um se porta frente a situações cotidianas, estando simplesmente diante do dia-a-dia. Eu fico séria e reparo. E reparo que eu invento vidas para aqueles que passam: para o senhora franzina que espera a lotação, para o moço bonito que olha as televisões através das vitrines, para a criança que compra sorvete na praça, para o fotógrafo triste ao lado do chafariz.
Eu fico séria e reparo. Assim fica o meu eu de fora. Porque o meu eu de dentro ri, gargalha e se compadece com essas vidas tantas projetadas por todos aqueles que habitam em mim. Pois eu sou muitas e tão diversas, que esse manancial de gentes que moram dentro do meu eu de dentro me atordoam, me confundem e me completam. Me fazem ser como os outros me vêem, como eu sou, como eu fui e como espero ser.
Eu olho no espelho. Eu fico séria e reparo. E reparo no que esses eus me tornaram hoje. E torno a pensar em caminhos diversos, em outras possibilidades, em outras vidas maquinadas para mim – como aquelas que crio para os desconhecidos que encontro. Sabe-se lá que outros trajetos tortos eu e os meus eus poderíamos ter percorrido. Sabe-se lá que rumos distintos teríamos tomado se ao invés de alguns nãos tivéssemos dito sim, se ao invés de uns receios tivéssemos nos enchido de coragem e se ao invés de alguns sorrisos contidos tivéssemos permitido as emoções se espraiarem dentro de nós.
Eu e os meus eus. Eu falo contigo, eu fico séria e reparo. E reparo que somos dois, mas somos tantos, uns iguais e outros tão inversos. Eu e os meus eus. Tu e os teus eus. Travamos tantos embates ao fazer com que tanta gente dentro de nós se compreenda e se solidarize com as dores e as alegrias uns dos outros.
Eu e os meus eus. Tu e os teus eus. E mais as vidas que inventamos para os eus alheios.
* Foto devidamente creditada ao queridíssimo Augusto Neftali.

a mais negra das artes

poesia
a mais negra das artes
pasto negro dos dervixes
como o azeviche
como o negro dos dedos de fuligem
ou de haxixe
os dedos de vertigem
que - branco quebradiço - ao apontar
nos partem.
poesia: extravio da bagagem
na outra margem.

Pequena provocação ao pessoal da Oficina Literária, em forma de poema, a partir de uma idéia inicial do grande Chacal. Sintam-se provocados, portanto. Inclusive o U. Bergamin, nosso eterno desaparecido apóstata.

arder*

tudo continua a arder aqui neste mar de dentro
sangue sereno fervendo
fogueira dentro do peito
amor continua a arder no sargaço iridescente
neste teu peito sedento desejo e sede se deitam
rentes ao róseo relento
tudo continua a arder na geada incandescente
e a chama a se saber como lava lentamente
amor
- elétron violento.
(*) poema do meu livro "51 poemas e nenhum inédito"

17 outubro, 2005

ranunculaceae: tintura, mãe











colheremos o acônito em agosto no Voge
antes da floração,

a actea em maio junho no Canadá entretanto
e após florescer,

a erva de santo antônio todavia
nas
encostas ensolaradas de abril
não se sabe de qual país.

16 outubro, 2005

Posse


Tu me invades o tempo todo
Seja num cisco, numa palavra, num olhar
Feito meus rabiscos toscos
Sobre uma cena de Degas.

14 outubro, 2005

O Mar (2)



“ Sargaço mar
sargaço ar”
(Dorival Caymmi)













foto de autor desconhecido publicada "originalmente" em
a natureza do mal. gracias, Luis.

atravessar-se.*



há que atravessar-se a praça Dante
asas nos pés de um mercúrio causticante

há que atravessar-se a praça Dante
direção à catedral bombardeada flamejante

há que atravessar-se a praça Dante
a mente na amada nos braços da amada
nas coxas da amada seu beijo arfante

há que atravessar-se a praça Dante
num velho all-star botinha um mesmo terno casaco
como em Guernica Roca Guermantes

há que atravessar-se a praça Dante
e nos ferros do astro tédio
rimá-la em manto sem noite
limá-la com sombra açoite

há que atravessar-se a praça Dante
e dela atravessar-se delirante
enterrar-se nos canteiros enlouquecer-se de rosas
enternecer-se nos ligustres fal(t)antes

há que atravessar-se a praça Dante
com mãos prostitutas com rugas ciganas
com lábios moicanos com nervos de Andes

há que atravessar-se a praça Dante
como quem escava um túnel
como quem decifra a murta
como um balde de Aqueronte

há que atravessar-se a praça Dante
sem não mirar nos olhos do poeta um antes
os olhos da amada y su olor de Cuba
sua raquete seu bronze de urze
e a estrela nua em seu nu sextante


(*) do meu inédito "51 poemas e um mosquito morto", no ante-prelo de uma editora do futuro; ilustra este postado "Ciudad de Levedad", do mexicano Jesús Lugo.

Minhas legítimas bobagens II


Então, mais uma sequência de foto minha e palavras soltas... pra desopilar, aos poucos.

13 outubro, 2005

Loucura de Amar

Arco – Cor – Íris,
Isquemia que causa, meu bem.
O arco de aço, seus anéis.
Quase tudo de mim,
O sonho opaco de duas faces.
No chão desenhas o teto.
Loucura de cada dedo meu...
marcado, como navalha, em ti.

11 outubro, 2005

Corto Maltese!

grande
Hugo
Pratt!!

Minhas legítimas bobagens



É, eu me meto a fazer essas montagens de imagens com fotos que tiro.
Bobagens, mas minhas legítimas bobagens.

"e como é forte o feminino coração de Deus..."*


ah agora sim tampouco
mônica e camila
se somam aos quejandos
pouco a pouco.

cleópatra, madonna, deneuve, anita
eva, minerva, medéia, lilith
rosa luxemburgo, madalena, mina
carlotta corday, sherazade, janaína
sininho, anã de velasquez, frida.

filhas da mãe.
o amor de deus.


(*) lá no título, sérgio sampaio: "Feminino Coração de Deus"

ahora que el mundo está recién pintado

dica deste postador matinal: Joaquín Sabina.
escutem, depois me digam.
enquanto isso, o céu lá fora se faz de tonto, não se decide:
ora azul prata frio dorso de baleia. ora fímbrias nesgas réstias de um amarelo dorido.
terça de manhã, pré-feriado, adentrando e atracando este paquete.















Ahora que...

Ahora que nos besamos tan despacio,
ahora que aprendo bailes de salón,
ahora que una pensión es un palacio,
donde nunca falta espacio
para más de un corazón...

Ahora que las floristas me saludan,
ahora que me doctoro en lencería,
ahora que te desnudo y me desnudas,
y, en la estación de las dudas,
muere un tren de cercanías...

Ahora que nos quedamos en la cama,
lunes, martes y fiestas de guardar,
ahora que no me acuerdo del pijama,
ni recorto el crucigrama,
ni me mato si te vas.

Ahora que tengo un alma
que no tenía.
Ahora que suenan palmas
por alegrías.
Ahora que nada es sagrado
ni, sobre mojado,
llueve todavía.

Ahora que hacemos olas
por incordiar.
Ahora que está tan sola
la soledad.
Ahora que, todos los cuentos,
parecen el cuento
de nunca empezar.

Ahora que ponnos otra y qué se debe,
ahora que el mundo está recién pintado,
ahora que las tormentas son tan breves
y los duelos no se atreven
a dolernos demasiado...

Ahora que está tan lejos el olvido,
ahora que me perfumo cada día,
ahora que, sin saber, hemos sabido
querernos, como es debido,
sin querernos todavía...

Ahora que se atropellan las semanas,
fugaces, como estrellas de Bagdad,
ahora que, casi siempre, tengo ganas
de trepar a tu ventana
y quitarme el antifaz.

Ahora que los sentidos
sienten sin miedo.
Ahora que me despido
pero me quedo.
Ahora que tocan los ojos,
que miran las bocas,
que gritan los dedos.

Ahora que no hay vacunas
ni letanías.
Ahora que está en la luna
la policía.
Ahora que explotan los coches,
que sueño de noche,
que duermo de día.

Ahora que no te escribo
cuando me voy.
Ahora que estoy más vivo
de lo que estoy.
Ahora que nada es urgente,
que todo es presente,
que hay pan para hoy.

Ahora que no te pido
lo que me das.
Ahora que no me mido
con los demás.
Ahora que, todos los cuentos,
parecen el cuento
de nunca empezar.

10 outubro, 2005

Depois de ter você


Ela se pinta, se ajeita, se depila, se faz bonita para o que há de acontecer. E nada acontece. Há tempos que nada, absolutamente nada de novo acontece, mas ela cumpre seu rito como se nenhuma dor fosse essa. Antes ficasse despenteada, de cara lavada e mesmo peluda se à sua volta possibilidades de encontros e possíveis amores não surgem. E não surgem porque vive mês após mês pensando na impossibilidade de paixão que se foi. Se foi sem nem uma despedida, um chopinho de adeus, uma saidela de goodbye. Nada. Neca de pitibiribas. Enquanto toma banho pensa nas suas travas emocionais e na gilete, velha, ao lado do sabonete da Malu Mader. Como se tomar banho com Lux Luxo te deixasse com a pele da morena da novela. Ela queria crer nisso. “Pele de Malu, pele de Malu” – dizia a si mesma, ao mesmo tempo em que esfregava o Lux pelo colo e pelo pescoço (ninguém lava o pescoço, mas ela sim). Ela gosta de frango empanado com Nescau, e gosta de comê-los limpa e depilada ouvindo Adriana Calcanhoto. Ela é blasé e não sabe. Quando põe o primeiro pedaço de frango na boca cantarola: “Depois de ter você, pra quê querer saber que horas são?”.
* Inauguro aqui a presença feminina no blog, muito timidamente, a convite do querido Marco. Este foi publicado no zine Krak-à-Toa, mas é um começo, pra sair da toca. (Dica para ser lido ao som de "Cantada", da Adriana Calcanhoto).

efeitos de carlos lyra













ah, mas quem será a namorada do poeta?
por certo, a namorada será bela.
e este poeta não se emenda, se soneta,
quando tinge de beleza os olhos dela.

Mugnolini em seu pátio assim como no nosso


Às vezes é poesia*


Chove. É verão e chove uma chuva fina. Daquelas sem fim. Chove, mas a janela continua aberta. Entra uma brisa fria e silenciosa. A cortina dança. Balança suavemente e acompanha a métrica dos versos de Chico Buarque. Do outro lado da rua uma menina corre no pátio. A menina de vestido branco e fita no cabelo pula amarelinha. Nem se importa com a chuva.
Quem se importa é a mãe que grita com a filha. Não ouço porque o Chico ainda canta na vitrola. Vejo as mãos ligeiras e nervosas da mãe rompendo o andamento suave da chuva. A menina baixa os olhos. Parece procurar a pedrinha que se perdeu na confusão. A pedrinha que até poucos instantes marcava o seu sorriso. Não vi se a menina chorou. Acho que não. Aos seis anos as crianças já aprenderam que não adianta brigar com aqueles que têm o coração endurecido pelo tempo.
Distraído com o desencanto da menina nem percebi a chuva cessar. Voltei a olhar para dentro da sala da minha casa - aliás, da minha nova casa - e vi pilhas de livros no chão. Pilhas de poesia sustentadas por pilhas de prosa curta e voraz de onde despencam biografias de narcisos esquecidos. Preferi deixar tudo assim, empoeirado. É preciso, antes de mais nada, realimentar a vitrola. Minha esperança era rever a menina.
Mas a menina não veio. Aliás, nunca mais a vi naquele pátio. Dias depois nenhuma janela da casa se abria. Um dia caminhando por ali, na volta da padaria, vi o portão entreaberto. Receoso, olhei para os lados. Era manhã de um domingo cinzento. A rua vazia. Entrei. O pátio estava cheia de folhas secas de outono. Alguns passos adiante percebi uma marca no chão.
Espalhei as folhas e vi rabiscos trêmulos de um jogo de amarelinha. Nem o sermão da mãe apagou o traçado da brincadeira de menina. Olhei com mais atenção e vi uma pedrinha. Guardei-a no bolso e desejei à menina toda sorte do mundo. Porque a minha felicidade está bem encaminhada. Ainda mais agora, que recuperei a pedra perdida da minha história. No meio do caminho há sempre uma pedra. Mas nem sempre ela é estorvo. Às vezes é poesia.


(*) texto acima: colaboração luxuosa do nosso querido correspondente de guerra Mugnolini, direto das trincheiras sinuosas dos lençóis de seu leito de acamado. desejamos melhora ao nobre amigo, tão eivado de agridoces sortilégios e antitérmicos antitédio. bom retorno ao planeta. câmbio.

as canções que tocam dentro 2

Minha Namorada
(Carlos Lyra)

Se você quer ser minha namorada

Ah, que linda namorada
Você poderia ser
Se quiser ser somente minha
Exatamente essa coisinha, essa coisa toda minha
Que ninguém mais pode ser...
Você tem que me fazer um juramento
De só ter um pensamento
Ser só minha até morrer...
E também de não perder esse jeitinho
De falar devagarinho
Essas histórias de você
E de repente me fazer muito carinho
E chorar bem de mansinho
Sem ninguém saber porque...
E se mais do que minha namorada
Você quer ser minha amada
Minha amada, mas amada pra valer
Aquela amada pelo amor predestinada
Sem a qual a vida é nada
Sem a qual se quer morrer
Você tem que vir comigo em meu caminho
E talvez o meu caminho
Seja triste pra você...
Os seus olhos tem que ser só dos meus olhos
Os seus braços o meu ninho no silêncio de depois
E você tem que ser a estrela derradeira
Minha amiga e companheira
No infinito de nós dois.

Isto posto, não há mais o que dizer. Esse meu coração que não se cansa de ter esperança. Assistimos Carlos Lyra ontem em show na TV Câmara, enquanto o dia declinava lá fora, por trás das gelosias. Abraços e beijos (e doces palavras de amor, doces olhares), eis a companhia ideal para ouvir as músicas desse grande compositor. E lá vamos nós, segunda adentro.

06 outubro, 2005

O Mar

Um dia claro, um azul de aço. Os firmamentos do ar e do mar quase se confundiam nesse azul que tudo invadia; porém o ar pensativo, de uma transparência pura e suave, tinha olhar de mulher, ao passo que o mar robusto e viril se erguia em grandes ondas, fortes, prolongadas, como o peito de Sansão adormecido.
(Herman Melville - "Moby Dick")

em breve nesse blog cada vez mais qualificado...

aquele que foi a grande sensação da última Feira do Livro de Caxias do Sul...

sempre trovando



















trubadur se apresenta com uma trova
com uma trova-introdução:


Vocês querem uma prova
De que eu não escrevo nada?
Então leiam esta trova
E caiam na gargalhada:

Fui revelar uma foto
E a foto me revelou:
Já não sou mais um garoto.
Resta saber quem eu sou.

Ou então assim:

revelei a foto
e a foto me revelou:
já fui um garoto.

05 outubro, 2005

A Filosofia Nasce do Espanto*











Sócrates:

- Amado, creio teres freqüentado, quando criança, esses eventos a que costumam designar “feiras de filhotes”.

Platão:

- Sim, mestre; estive em muitas delas quando menino.

Sócrates:
- E tens na memória o que vistes por lá?

Platão:
- Sim, sim; como não o teria? - bezerros, cãezinhos de língua azul, pintinhos – lembro-me inclusive de ter comprado alguns desses últimos com minha mesada, muito embora tenha ouvido algumas reprimendas de meu pai.

Sócrates:
- Não te lembras de tudo, então.

Platão:
- Mas como, mestre?, - não entendo o que queres dizer.

Sócrates:
- Tu te esquecestes do principal, amado, da razão fundamental pela qual estamos aqui, da questão central sobre a qual repousa toda a filosofia.

Platão:
- Não compreendo.

Sócrates:
- Amado, ouve então as palavras de minha boca: a filosofia existe para explicar aqueles pôneis. Vê, pois, o mistério: por que pôneis em feiras de filhotes?

Platão:
- Oh, mestre!, é acima do meu entendimento!

Sócrates:
- Acima do de todos nós, amado. Pois se entenderes o absurdo do fenômeno, compreenderás que, no mundo dos cavalos, as feiras de filhotes exibiriam anões enjaulados. E este é o verdadeiro problema que estamos tentando resolver aqui, e do qual dependem todos os outros.


*post original de
márcio guilherme.


04 outubro, 2005

joão "ramone" no pátio


















olha aí ó.
cabeleira.
só me trova.
11 anos de puro rock'n roll.
durma-se com um barulho desses.
irresistível publicar essa fotinho.
joão, vê se aparece.

urbicande...



ah esses loucos desenhistas e seus desenhos maravilhosos...

www.urbicande.be