14 outubro, 2005

atravessar-se.*



há que atravessar-se a praça Dante
asas nos pés de um mercúrio causticante

há que atravessar-se a praça Dante
direção à catedral bombardeada flamejante

há que atravessar-se a praça Dante
a mente na amada nos braços da amada
nas coxas da amada seu beijo arfante

há que atravessar-se a praça Dante
num velho all-star botinha um mesmo terno casaco
como em Guernica Roca Guermantes

há que atravessar-se a praça Dante
e nos ferros do astro tédio
rimá-la em manto sem noite
limá-la com sombra açoite

há que atravessar-se a praça Dante
e dela atravessar-se delirante
enterrar-se nos canteiros enlouquecer-se de rosas
enternecer-se nos ligustres fal(t)antes

há que atravessar-se a praça Dante
com mãos prostitutas com rugas ciganas
com lábios moicanos com nervos de Andes

há que atravessar-se a praça Dante
como quem escava um túnel
como quem decifra a murta
como um balde de Aqueronte

há que atravessar-se a praça Dante
sem não mirar nos olhos do poeta um antes
os olhos da amada y su olor de Cuba
sua raquete seu bronze de urze
e a estrela nua em seu nu sextante


(*) do meu inédito "51 poemas e um mosquito morto", no ante-prelo de uma editora do futuro; ilustra este postado "Ciudad de Levedad", do mexicano Jesús Lugo.

Um comentário:

Anônimo disse...

atravessou minha vida
virou só sentimento

diria uma adélia sem dante mesmo...