06 janeiro, 2006

diavolino*

à porta de uma casa
hei de bater sonolento
casa que nem suspeito
o que lá se move dentro

(se é casa de prazeres
com arabescos no ventre
se é coração de pedra
ou asa de pensamento)

à porta de uma casa
em que jamais entrarei
hei de parar um momento

tocarei com medo a pele
de um ser de bronze ardente
face de fauno ou guepardo
ser de alaúde tangendo

cara de cão daquele
que nos fulmina por dentro

por dentro onde ignoro
qual a mortal ternura
que lhe assoma o ossamento

à porta de uma casa
baterei o ombro lento

bem aberta a boca e o pálato
como uma rosa estiolada
no bronze de Giambologna

por trás dos olhos me alveja
cenho de um monstro inocente


(*) Em meu inédito ma non troppo volume de poemas "Anel Postiço em Merengue" (Morador de Lourdes Editor, 2006 talvez). Giambologna (1529-1608), escultor maneirista de origem flamenga, um gênio. Vi essa escultura ("Diavolino Portabandiera") em Curitiba, na Casa Andrade Muricy, na exposição "Florença: Tesouros do Renascimento", em 1999, e ela me impressionou violentamente. Pena não ter encontrado imagem mais detalhada, pois o bronze do artista é implacavelmente belo. Giambologna, aceita homenagem singela desse teu humilde escriba.

2 comentários:

Caleidoscópio Eterno disse...

Anel postiço em merengue... eu adoro essa sua construção... acho que não tinha falado ainda... é delicada e surreal...

Seu Menezes disse...

gracias por tus palabras.