- Carolina, busque a tesoura lá dentro pra vó !
Calmamente vó Rita fala com a neta.
No alpendre, sentada em uma cadeira de balanço ela passara as tardes bordando minuciosamente enxovais, panos de prato, lençóis, cortinas, toalhas, guardanapos ou saias.
Seus bordados venciam o tempo, eram famosos.
Com uma agilidade assustadora produzia em média 5 peças por dia, uma tarefa um pouco metódica quando analisada do ponto de vista de Carolina, que atentamente com os cotovelos apoiados sobre os joelhos e ambas as mãos segurando o queixo, divertia-se contemplando o delicado trabalho.
Uma mulher com histórias pra contar e apesar da face enrugada e do aspecto sisudo, a viúva Rita era dócil, não se tinha notícia de qualquer manifestação hostil de sua parte, sempre fora educada com todos, diplomática nos tratos e – apesar da idade – astuta nas negociações.
Se alguma dúvida ou problema surgisse na rua, era ela, Vó Rita, quem dava a última palavra, o aval, o veredicto.
Carolina além de possuir um futuro interesse nos dotes da avó - sonhava em casar e logicamente ter seu enxoval inteiro bordado pelas mãos dela - também se espelhava em suas atitudes, gestos, máximas e aforismos que a velha prescrevia seguidamente enquanto bordava.
- Um homem e uma mulher só se conhecem quando se separam!
- Um mártir, não vive de martírios.
- Só não tolero a intolerância !
Em uma ocasião quando indagada sobre o possível casamento de um humilde agricultor da região com uma linda moça de um família próspera da cidade ela respondeu:
- Pato não usa aliança porque tem os dedos grudados.
Ninguém entendera a frase, os que ouviram ficaram semanas tentando decifrá-la, alguns recorreram aos livros, compêndios, enciclopédias, e nem mesmo os mais instruídos encontraram um significado apropriado para a tão enigmática sentença.
Não importa, era uma frase dita por Vó Rita, logo era indiscutível conseqüentemente deveria fazer algum sentido.
Carolina cresceu, sorriu, casou, sofreu, teve filhos, chorou e os panos de prato que ganhara de Vó Rita ainda estavam lá – apesar de puídos – sendo utilizados na cozinha.
Em uma festa de final de ano Carolina esperou o entusiasmo dos festejos encerrarem, se dirigiu à Vó Rita que sentada em sua cadeira de balanço no alpendre da casa bordava um lindo echarpe.
Um olhar profundo nos olhos da avó e um sorriso tímido escondendo os dentes bastaram como comprimento.
- Vó Rita, a senhora não vai acreditar, ainda hoje tenho os panos de prato bordados que a senhora me deu. Que linha a senhora usa? Como a senhora faz?
A pergunta provocou um enorme sorriso na velha, que sem olhar para a neta, concentrada na agulha, na linha, no movimento e no motivo à ser bordado com a cabeça baixa responde:
- É como tudo na vida menina, eu nunca dou um ponto sem nó!
10 dezembro, 2005
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Um comentário:
Por acaso encontrei este site e fiquei curiosa com o título. Sou filha temporão, então fui criada por uma mãe q não era bordadeira mas era cheia de "ditados", como Vó Rita, q coincidentemente era o nome da minha avó q faleceu qdo eu estava com cinco anos. Atualmente é o q falta nas famílias: gerações unidas p passar os conhecimentos da vida desta forma. Gostei! Bjs
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