Guinga, o homem da fronteira*
O homem é um monstro. Do bem. É, com licença de Edu Lobo e Milton Nascimento, o maior dos pós-jobinianos em atividade. Não fosse pelo próprio Tom Jobim, também seria o maior pós-pixinguiniano da atualidade. E como Tom, ele ama Villa Lobos, que amava Pixinguinha, que amaria Guinga, se o ouvisse. Sei lá, quem sabe até ouve.
O homem é um monstro. Do bem. É, com licença de Edu Lobo e Milton Nascimento, o maior dos pós-jobinianos em atividade. Não fosse pelo próprio Tom Jobim, também seria o maior pós-pixinguiniano da atualidade. E como Tom, ele ama Villa Lobos, que amava Pixinguinha, que amaria Guinga, se o ouvisse. Sei lá, quem sabe até ouve.
Por incrível que pareça, nunca havia visto e ouvido Guinga ao vivo.
O lugar para esta inesquecível primeira vez não poderia ser mais adequado: o auditório do Instituto Moreira Salles, no alto da Gávea, com suas cento e poucas confortáveis poltronas ocupadas pelo público educado e discreto que ouviu Guinga em silêncio reverente para depois saudá-lo com aplausos selvagens. De bônus, as cortinas da parede lateral envidraçada foram levantadas para revelar o cenário do esplêndido jardim iluminado.
No palco, um dentista cinqüentão nascido no subúrbio, criado na Zona Norte e morador do Leblon há 20 anos. Ele e seu violão. E sua música assombrosa. Durante toda sua vida ele viveu essa estranha vida dupla, de dia arrancando dentes, fazendo restaurações e dando anestesias e À noite se transformando no solitário compositor e violonista que cria melodias e harmonias na fronteira entre o popular e o erudito e tem entre seus maiores admiradoras justamente os mais admirados músicos pós-jobinianos como Edu e Milton.
É exercício vão tentar catalogá-lo ou enquadrá-lo em escolas ou movimentos, é autodidata, avançou por trilhas musicais que se misturam aos caminhos de Tom Jobim, Pixinguinha e Villa-Lobos, é a fronteira viva entre o clássico e o popular, entre o jazzístico internacional e o melhor samba, choro e canção brasileiros.
O homem é um monstro. Um doce monstro, no início nervoso e desconfortável no palco, ansioso para mostrar a sua música, seu dom, sua razão de viver. No final, cercado de aplausos e grata admiração da platéia, chegou a contar piadas. Um homem adorável em sua fragilidade e na extraordinária força de sua arte, na sua reverente admiração pelos mestres, no seu respeito aos colegas e ao público. E as músicas?
Começou com duas instrumentais intrincadas e cheias de sutilezas e surpresas. Depois chamou o magnífico trompetista Jessé Sadok e, juntos, em perfeita integração, tocaram uma série de blues, choros, sambas, canções, ou misturas de tudo isso, que maravilharam o público. Não, não se parecem com nada essas canções, são modelos originais na vertente da mais refinada e sofisticada do que se tornou conhecido como MPB. Não dá para falar, só ouvindo.
(*)Matéria publicada no site "Sintonia Fina", de autoria do compositor Nelson Motta. Ilustra este postado foto de Roberto Cifarelli, fotógrafo luminoso do mundo musical.
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