23 novembro, 2005

quatro e meia, um sabiá


Se o sono é raso, qualquer ruído leve provoca despertar imediato e insônia póstuma. E desde que entrou a primavera, o sabiá tem me acordado. Ele tem, no granito das quatro e meia, um canto transversal, minimalista, surreal. Corta a minha madrugada o sabiá com seu canto esotérico.
Esse o esoterismo fatal que o sabiá infunde aos olhos: ele é pelo não-visto, afinal estamos na cama e ele lá, no galhedo. Não é fênix, pomba, simorgh, águia ou grou. Como estes, no entanto, é a nossa alma: é o canto in-útil na madrugada, que nada vale, nada soma, nada tenta representar; é o poema que te provoca e te dá tontura, no teu zênite e no teu caixão futuro.
Por isso, não me importo: que sejas tu que me despertes, ó bicho do amanhã! Vai, sabiá, faz brilhar teu antidiscurso de ave sagrada no negror persistente das minhas quatro e meia!
Deixai as orquídeas sonolentas, as formigas sem sono, e a dona deste coração, deliciosa & delicada, a esticar as horas entre os lençóis.
Que posso eu contra o sabiá.

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