21 novembro, 2005

Mais um exercício


Ele ouvia "Lígia" há mais de quarenta minutos no Repeat. Até mesmo João Gilberto já devia estar cansado de tudo aquilo. Mas algo teria de acalmá-lo depois de receber a conta de seu Vivo Pós com o valor de R$ 288,30. Duzentos e oitenta e oito reais com trinta centavos, porra! Nem na adolescência eu devo ter falado tanto, pensou ele. Mas na adolescência ele não tinha tanto o que falar mesmo.
Se pudesse voltar o tempo, teria lido mais Caio Fernando Abreu e menos Tio Patinhas, teria ouvido mais Piazzolla e menos Lobão. Mas, para tudo há tempo, diz-se, e pra não sentir o peso de desencaixe afirma com veemência que é um cara pós-moderno. Só assim, pra explicar tantas e díspares referências. O saco é que agora era um tempo de muito dizer, mas não queria alugar os quatro ou cinco bons amigos o tempo inteiro. Sabia que cansava aos outros, ainda mais pra contar e tentar analisar sua vida amorosa de cabo a rabo.
Não queria muito da vida, pensava ele. Ledo engano. A gente sempre espera e quer muito da vida, mesmo que não faça absolutamente nada para que algo aconteça. Mas que a gente quer, a gente quer - é fato. Talvez tivesse chegado a hora de seguir os conselhos de um próximo: "Te aquieta rapaz. Encontra uma mulher com quem ao menos tu não te sinta incomodado - se prazer não for o caso, assina a Zero Hora, faz o consórcio de um Gol. Te aquieta!".
Isso doía, mas ele sabia que talvez fosse chegar o dia em que tivesse de parar de sonhar em conhecer a Espanha e em Barcelona topar com o amor pra toda vida, e fosse obrigado a pensar que era tempo de realmente se aquietar. Ou não. Porque "Lígia" inspira tanto. Quem sabe o amor pra toda vida não está lá, sentadinho em algum dos Postos da Orla, esperando por ele num fim de tarde de quarta-feira?
Não teve dúvidas. Ia passar as férias no Rio. Beber chopes gelados em bares de Ipanema, até algo grande acontecer.

Um comentário:

Seu Menezes disse...

bravo, camila!
belo microconto.
boa prosa.

exercício o caramba, chega de mudéstia!