08 novembro, 2005

O BONDE

Eu que nunca andei de bonde, tenho uma saudade imensurável dele ao escutar este choro canção de uma parceria inusitada de Sidney Miller, Sueli Costa e Maurício Tapajós.

morre no meio da praça
sem dono e sem graça
sem ter mais pra onde ou porque

já que esse bonde não passa
ninguém mais o espera
quem dera eu pudesse entender
vira brinquedo sem dono
que o próprio abandono
correndo no tempo desfaz
fora de linha e de moda
não passa, não corre, não leva mais
quem não quiser chorar
finja que vai partir
toma o lugar no bonde
não peça que ande
nem diga por onde seguir
lembre que só depois
quando chegar ao fim
mesmo sem brilho e sem glória
verá sua hisória contada assim
passa em seu passo tranqüilo e cansado
de quem já sabe de cor seu destino
para, suspira e prossegue
vai percorrendo rota de sua rotina
de sempre chegando ir partindo
por um caminho traçado no chão
cantando, contente, tim-dim-dim, tim-dim-dim
chega ao ponto final
vê companheiro confessa
que o bonde sem pressa
chegava depressa demais
quem não achava o dinheiro
saltava ligeiro, corria e pegava o de trás
guardo no meu pensamento
transformo em cantiga
momentos que foram tão meus
e hoje quem passa nem liga
nem pensa em dizer adeus

Sidney Miller foi um compositor que em sua curta obra, interrompida em 16/7/1980, teve a sensibilidade singular dos grandes poetas da música popular brasileira. A maneira como descrevia situações e personagens, de maneira poética, simples mas ao mesmo tempo complexas, faz com que o ouvinte experimente sensações que só a arte pode proporcionar. Como em sua estrada que “parece um cordão sem ponta, pelo chão desenrolado, rasgando tudo que encontra, a terra de lado a lado". Seu palhaço “que na vida já foi tudo, foi soldado, carpinteiro, seresteiro e vagabundo, sem juízo e sem juízo fez feliz a todo mundo, mas no fundo não sabia que em seu rosto coloria, todo encanto do sorriso que seu povo não sorria”.
Antes de morrer Sidney estava com um projeto de lançar um lp independente, que se chamaria Longo Circuito. Já havia escrito o fac-símile de parte da sinopse onde conta que “em 1967, no Rio de Janeiro, mais exatamente na rua Gustavo Sampaio (Leme), havia um bar, conhecido como Bar do Careca, freqüentado quase que exclusivamente por músicos. Uma espécie de ponto de encontro da geração que estava sendo (ou viriam a ser) revelada pelos festivais da época - exemplo Milton Nascimento, Gutenberg Guarabira, etc. Uma noite passando pela porta daquele bar uma pessoa me disse o seguinte : - tem uma moça lá dentro, que acabou de chegar de Juiz de Fora, e que está tomando cachaça e tocando no violão um chorinho que ela compôs no ônibus quando viajava pra cá. Entrei e vi pela primeira vez Sueli Costa. Ouvi o choro, me apresentei a ela e pedi permissão para fazer uma letra .Ela riu, falou baixinho alguma coisa que não entendi, mas percebi que havia consentido....nessa época algum projetor, do Rio, governador ou coisa que o valha, tinha decidido colocar os bondes, recém saídos de circulação, nas praças públicas, para recreação de crianças. Fiz então em cima que me deu a visão do meu transporte de colegial, transformado em brinquedo, a letra daquele choro. Um dia, pronta a música, Maurício Tapajós ouviu e disse - choro sem terceira parte não tem caráter - assim a parceria cresceu”.
Em 1983 foi lançado pela FUNARTE o lp intitulado simplesmente Sidney Miller, que foi uma espécie de continuação do projeto “Longo Circuito”, que graças a seus parceiros e amigos (entre eles o próprio Maurício Tapajós) pode, na medida do
possível, ser concretizado
.

Sidney Miller
18/4/1945 - 16/7/1980

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